Clarão, estrondo, sirenes. O silêncio é cortado no meio da noite. Correria, gritos, choro, dor, sangue. Pessoas atordoadas começam a circular, praticamente sem destino. Muitas sem saber o que está acontecendo.
Amanhece. Logo nas primeiras horas do dia as informações, ainda desencontradas, rodam o mundo. Em meio a tantas dúvidas e fake news, uma certeza: a ofensiva russa havia começado. Um ataque desmedido e que deixou o mundo atônito.
Não se pode classificar como “guerra” uma ação unilateral, não provocada, contra um país que até semana passada vivia na mais absoluta paz e normalidade.
As ruas lotadas de vidas – que outrora carregavam sorrisos, sonhos, amores, planos –, agora dão lugar a um total vazio. Um silêncio ensurdecedor, quebrado pelo som das sirenes ou pelas explosões de mísseis, que apesar da dita precisão, insiste em alcançar alvos civis longe das miras.
Prédios destroçados, chamas, entulhos, poeira, cinzas. Enquanto as ruas se esvaziam, as estações de trens estão abarrotadas. Seja por pessoas que se refugiam ou por aquelas que ainda tentam um último transporte para longe do caos.
Da mesma forma, estradas fronteiriças e as linhas de divisa entre a Ucrânia e nações vizinhas estão empilhadas de pessoas que anteciparam a retirada das principais cidades, algumas delas já tomadas ou sistematicamente atacadas.
Crianças choram sem entender o motivo que as separa dos pais, convocados para se apresentarem ao Exército de seu país. Outras conseguem encontrar alguma alegria no mundo da fantasia criado pelas mães, nos moldes de “A Vida é Bela”, de Roberto Benigni.
A comoção toma conta do mundo. Cidadãos comuns, incapazes de fazer algo que possa mudar os acontecimentos diários, apenas assistem, impotentes. Quem pode fazer, parece ainda não ter alcançado medidas efetivas para conter o que já é classificado de crime contra a humanidade.
Penso, de forma muito particular, que guerra alguma encontra motivo razoável para ser iniciada. Evoluímos enquanto seres humanos, alcançamos feitos inéditos na história, mas ainda deixamos falar alto nosso lado mais imbecil ao decidir pegar em armas, quando o diálogo poderia ser a via do entendimento.
Por falar em armas, completo este raciocínio de forma lógica: a guerra serve tanto à humanidade quanto à arma serve à vida. Paradoxal pensar que algo criado para destruir possa trazer algum alento ou vantagem.
A Organização das Nações Unidas estimou inicialmente um número de cem mil refugiados. Na semana passada eu previ algumas centenas. Os números, no entanto, já chegam a um milhão de pessoas fugindo da zona de conflito.
De um lado uma pessoa que parece não se incomodar com o sangue inocente que derrama. Do outro, um homem simples, que vem se mostrando ao mundo um grande líder e estadista em defender sua nação.
Tudo que retrato acima são cenas capturadas pelas lentes de filmadoras, câmeras fotográficas e celulares na última semana. Não pretendia ocupar este espaço hoje para falar de conflito bélico, mas não é possível ficar indiferente diante de tanta barbaridade.
Ressalto que não importa o quanto especialistas queiram buscar entender os motivos para o conflito. O meu coração de homem simples, da roça, que aprendeu as letras do Direito, não consegue encontrar justificativa plausível para o que se passa no Leste Europeu.
Talvez eu seja mais um completo ignorante, quiçá um analfabeto de carteirinha. Mas, certamente, um caboclo da roça que vive pela paz e que não se omite neste momento em que uma nação arde em chamas.
Diante das cenas na tela da TV, lembrei de uma canção que muito ouvi, e ainda ouço, interpretada pelo romântico Amado Batista, a qual parafraseio.
“Quisera eu que a artilharia fosse outra. Que a dinamite fosse de amor e que a explosão fizesse nascer uma flor, seguida de um grito de felicidade. Carregar os canhões com botões de rosas e que a bomba atômica, ao acionada, apenas dissipasse carinho e calor, daqueles capazes de cobrir o mundo de amor”.
Pego-me então a pensar se ainda há saída para nós, humanos. Seres que se diferem de toda cadeia animal pela sua ampla capacidade de ra-ci-o-ci-nar!Otimista, e usando a pouca capacidade de raciocínio que me resta, chego à conclusão que sim, pois as imagens que chegam não são apenas de dor e sofrimento.
Em meio a tanto sofrimento, alguns insistem em mostrar ao mundo que o “Ser” ainda tem um quê de “Humano”. Soldados russos rendidos recebem água, comida e direito a um telefonema para fazer contato com seus familiares.
Sob a chuva de bombas, um lindo arco-íris sinaliza que há esperança. Pessoas comuns, de diversas nações, se dirigem para as fronteiras para recepcionar os refugiados. Água, alimento, brinquedos, transporte, abrigo, afeto, amor, humanidade.
Pessoas comuns, afirmando que o mundo não deve ter fronteiras. Mostrando que ser humano, diante do seu livre arbítrio, ainda pode ser uma obra divina capaz de dar certo.
Osmar Gomes dos Santos. Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.