*Por Osmar Gomes dos Santos
Há muito se discute a aplicação da lei em Terra de Vera Cruz. Normas foram aplicadas em alguma medida desde a ocupação pelos portugueses, assim como os franceses em solo maranhense, quando da instituição das Leis Fundamentais do Maranhão.
Desde o Brasil Colônia, o país vive sob a égide da legalidade, não importa qual fosse o poder moderador. Mas aquele contexto de normas frouxas, sumárias e muitas vezes de práticas questionáveis ficou no passado distante.
Nossa Justiça – e não falo como magistrado, mas cidadão – vive outros tempos. Obviamente longe de ser perfeita, posto que feita por homens, sujeitos a falhas, que é próprio de sua natureza. Daí porque o Judiciário se estrutura em instâncias e permite uma série de recursos em cada uma delas.
O Sistema de Justiça brasileiro é robusto e assegura a ampla defesa a todos que a ele recorrem na defesa de seus direitos. Há muito se diz que decisão judicial se cumpre e não se discute. Mas a realidade é outra, visto que a irresignação do homem frente a algo que lhe contraria é um comportamento natural.
Todavia, diante de qualquer discordância, invoco, novamente, o direito de petição ao recurso. Até o trânsito em julgado, todos são inocentes, assim diz a lei. Portanto, há mecanismos para reclamar legitimamente o direito, não cabendo ataques a julgadores que realizam seu ofício para garantir a ordem social.
As recentes decisões para suspender perfis em redes sociais têm repercutido e tomado conta da pauta diária, ganhando dimensões políticas, em razão das pessoas envolvidas e do teor do conteúdo das contas em questão.
Importante compreender que por trás de uma decisão para suspensão das referidas contas, existe uma série de outros profissionais trabalhando em investigações robustas, para garantir provas que, minimamente, justificam as medidas adotadas pelo Judiciário.
São delegados, agentes, promotores, procuradores e um vasto grupo de servidores administrativos que dão sustentação para que as decisões sejam tomadas de forma assertiva.
No cenário atual, o que está em jogo não é a mera liberdade de expressão, como apregoam alguns. Esse direito fundamental não encontra ressonância e nem baliza atitudes para ferir, atacar, quebrar a ordem democrática vigente e construída a duras penas ao longo das últimas quatro décadas.
Já há algum tempo, o mundo vive um levante de regimes que se escondem sob a veste da democracia, mas que se consolidam com práticas totalitárias, discriminantes, segregacionistas. Para isso, valem-se do jogo sujo de narrativas construídas com objetivos específicos e falsas informações cuidadosamente arquitetadas.
Com tais práticas, retiram toda e qualquer possibilidade racional de um debate no campo político, no qual os conflitos se processam com vistas ao bem comum. E comum, na acepção da palavra, naquilo que alcança a todos e não apenas uma parcela cuja retórica sai do embate vencedora. Retórica esta comum aos campos sociais, ao buscarem marcar suas posições. Tão comuns quanto o fato delas não prosperarem por não encontrarem o apoio devido e necessário.
Como analogia, imagine a discussão de um grupo de pessoas que dispõe de recursos limitados e precisam comprar comida para se alimentar. Uma parte escolhe o frango, a outra prefere a carne bovina e um terceiro grupo escolhe o peixe como alimento principal da refeição. Ocorre, no entanto, que o valor que o grupo possui possibilita a compra e preparo de apenas um desses alimentos. Cada qual vai argumentar retoricamente e defender seu ponto de vista, até que todos chegam a um denominador comum e escolhem o frango, devido ao preço e ao valor nutricional.
Ao final desse embate, quem preferiu peixe ou carne saiu vencido, mas participará do banquete tal qual aqueles que escolheram o frango e todos vão saciar suas fomes, ainda que suas opções não tenham sido a escolha da maioria.
Entendo ser um exemplo simplório, mas é assim o jogo da democracia. Ideias são lançadas, posições defendidas, embates travados. Ao final, deve prevalecer o bem comum e vencedores e vencidos no campo das ideias devem comungar igualmente o resultado desse fascinante processo político tal qual defendeu Aristóteles há mais de dois milênios.
Avançamos democraticamente e tal regime ainda se encontra em processo de consolidação. Daí porque a necessidade permanente de um ordenamento jurídico robusto, tocado por pessoas independentes em suas funções e capaz de garantir a proteção ao status quo social.
Pregar qualquer conduta fora desse estado de coisas é ir de encontro ao bem comum. Divergências somente se resolvem no campo da política, dos embates de ideias. Jamais pela força, pela mobilização de segmentos e a fim de arregimentar massas de pessoas para agir irracionalmente contra a democracia.
O “X” da questão, portanto, é de que vidas não podem ser administradas por algoritmos. Espaços de conexões entre pessoas não podem intencionalmente funcionar como arenas de vale-tudo, territórios sem lei. Que façamos resistir a nossa Carta Magna, seus preceitos e sua função de farol para toda nossa sociedade.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.