*Por Osmar Gomes dos Santos
Tendo atuado como desenhista e caricaturista na imprensa carioca, era fácil perceber que o caminho para o Jornalismo seria curto. Essa empreitada conferiu amplitude à visão social de Aluísio Azevedo e certamente colaborou para um acurado senso crítico.
Como bom leitor dos carmas sociais, conseguia perceber as nuances, por vezes sutis, por vezes escancaradas, que segregavam a sociedade em “clubes”. Assim, estimulou o pensamento e angariou bons inimigos. Hoje, damos continuidade à sequência de cinco artigos sobre o poeta das massas.
Crítica ácida narrada ora em versos, ora em prosas, por vezes em crônicas cuja característica se desdobrava em uma descrição detalhista, afundando-se nas minucias de raciocínio que retratava a realidade cotidiana.
Se fosse um fotógrafo, estaria ele a registrar os ângulos de uma sociedade fragmentada, captados pela abertura de luz de um instrumento que ainda despertava a curiosidade de muita gente no fim do século XIX.
Mas as lentes pelas quais captava eram suas próprias retinas. Imagens processadas por uma inteligência peculiar e traduzidas em palavras pelas habilidosas mãos que, por vezes, apenas precisavam de um papel e um lápis.
Critica social voltada para a alta sociedade, mas acessível às pessoas simples, o mulato, o negro, as pessoas que vivam nos guetos dos cortiços. Com pitadas de regionalidade, seguia fazendo sua leitura e retratando nas páginas dos folhetins da época.
Escreveu as mazelas do homem descalço, quase desnudo, do negro que ainda não havia se desvencilhado da gargalheira, ou que ainda sentia sobre suas costas o peso do açoite mesmo após o fim do comércio escravista.
Narrou a ambição não apenas dos portugueses, mas das elites burguesas e do próprio clero. Criticou o falso moralismo social frente às paixões da alma diante das vicissitudes da vida que arrebatam quaisquer pessoas.
Em sua narrativa social não poupou muita gente, talvez não tivesse essa pretensão e, se assim o fizesse, talvez não teríamos muito o que contar sobre ele hoje. Quiçá, com muito esforço, não teria passado de um mero cartunista.
Mas escolheu ousar, ainda que pagando o alto preço de ver suas obras caírem na rejeição e ter as portas fechadas para inúmeros projetos.
Caminhos que o levaram a priorizar a carreira de diplomata e praticamente ter abandonado os escritos. Não obstante, suas crônicas ecoam para além dos tempos. São daquelas que simplesmente se eternizam porque trataram a realidade com verdade.
Falou do homem como ele é. Em suas vaidades, revestido na mais fina seda, ou mesmo daquele homem-bicho, descalço, dos becos e vielas. Falou da vida prostituída e dos amores impossíveis, dos casos extraconjugais abafados pela hipócrita conveniência.
Por falar em hipocrisia, qualquer semelhança entre ficção e a realidade retratada em suas obras não era mera coincidência. Assim, se tornou o autor das massas, com escritos voltados aos problemas enfrentados pelas classes mais baixas da nossa sociedade.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.