Por mais paradoxal que possa ser o título que trago hoje, ele remete a uma reflexão séria e necessária, para que alcancemos o equilíbrio da democracia na garantia do exercício de direitos e obediência de deveres.
O debate ora trazido levanta grande discussão acerca dos limites, principalmente para uma ala mais conservadora da sociedade. No último 28 de junho foi comemorado o Dia do Orgulho LGBTQIA+, data que vai além do simbolismo e marca o início dos movimentos contra ataques homofóbicos, em Nova Iorque, ainda nos anos 1969.
Dito isso, sem a necessidade de reportar o levante de Stonewall Inn, a questão do “orgulho gay”, da identificação com outro gênero, ou mesmo com nenhum deles, precisa de um debate maduro e dentro dos parâmetros estabelecidos pelo ordenamento. Ou mudam-se alguns ordenamentos.
Toco na importância dessa discussão porque vivemos em um momento de extrema polarização entre posições, seja de etnia, de gênero, ideológica. Um debate maduro, visando ao bem estar social, não pode ter outro referencial se não o bem comum.
Vemos ânimos acirrados de todos os lados, posicionamentos rasos sobre conceitos complexos e críticas infundadas sem qualquer reflexão. Estaria a sociedade apenas pegando carona no frenesi das redes sociais, onde se julga pela capa da postagem?
Critica-se sem lê, faz-se “textão” sem qualquer consonância com aquilo que está proposto no conteúdo, compartilha-se sem nenhuma apuração. Assim, fake news vão se consolidando como “verdades” e o abismo entre os que deveriam dialogar só aumenta.
Somos uma democracia. Mas ainda soa estranho que em uma sociedade democrática ainda tenhamos que debater as liberdades de escolhas da vida privada de cada um. Ah, diga-se, são escolhas privadas que em nada afetam os interesses difusos e coletivos.
Cada um, corretamente deve afirmar: Não permito, por exemplo, deixar que a escolha de uma pessoa ou outra interfira na minha rotina. Eu gosto de mulher, tenho amigos que gostam de homens e amigas que preferem mulher. Já conheço até aqueles que não preferem nem um nem outro. Tenho amigos negros, brancos, altos, baixos, gordos, magros, evangélicos, católicos, agnósticos.
Em comum, todos levam suas vidas como pessoas normais que são. Profissionais, competentes, seres humanos, pais, mães, filhos, filhas, cidadãos, cidadãs. Pessoas íntegras e honestas que têm o direito de preferir o que quiser dentro da sua esfera particular. São escolhas, cada uma delas amparada pela Constituição.
Por isso, defendo que sobre as questões de raça, ideologia, religião, gênero e opção sexual precisamos de debates propositivos, onde se estabeleça o equilíbrio das práticas sociais, prevalecendo o respeito como um princípio de humanidade e solidariedade que devemos cultivar.
Não posso atacar aquele que é “diferente” de mim, que tem escolhas diferentes das minhas. Assim como quem se julga atacado, ou se acha diferente, não pode querer estabelecer um sistema de direitos segmentado, próprio, uma vez que já há regramento para quase todo tipo de conduta social, resguardando os interesses individuais e os coletivos.
Alguns ajustes são necessários? Sim. Não de forma demasiada, sob pena de criarmos um sem número de bolhas jurídicas para encastelar segmentos, que passarão a disputar, uns contra os outros, espaços de poder.
Precisamos de normas que atendam plenamente aos anseios de todos e todas. Assim como punam exemplarmente aqueles que se colocam contra o equilíbrio da convivência harmoniosa.
Sobre concordar, penso que discricionariamente cada um concorda com aquilo que lhe convém. Mas, obrigatoriamente, deve respeitar o direito de escolha de cada um, seja ela qual for. A escolha de uma pessoa não deve agradar a ninguém além dela própria.
Há excessos, entendo que sim. Mas há de todos os lados. Penso que algumas questões – seja entre homem e mulher, homem e homem, mulher e mulher – não encontram espaços na esfera pública, a não ser para promoção do respeito. São questões que dizem respeito à vida privada, algumas delas entre quatro paredes, ponto.
Chamo atenção para que não se confundam as liberdades resguardadas constitucionalmente com libertinagem, que não deve ser aceita e tolerada. Utilizar espaços de fala para atacar, denegrir, violentar segmentos em razão de suas escolhas, com visto recentemente na mídia, é algo que devemos abominar.
Agir com libertinagem, fazendo aquilo que se quer, simplesmente para quebrar as regras, sem preocupação com as consequências, não é uma atitude razoável. A era dos direitos deve ser vista como de plenos direitos, que devem ser exercidos com responsabilidade, sob pena da sociedade retroceder à barbárie e ao primitivismo das vontades individuais sobre a coletividade.
Falo isso em todas as direções. Vontades individuais não podem se sobrepor às coletivas, que por sua vez já encontram guarida no conjunto normativo que regulamenta a sociedade. Necessidades se ajustam ao seu tempo.
É preciso um debate sério sob o prisma social, sem que cada um queira puxar a “brasa para sua sardinha”. Um diálogo que permita a união e não fragmentação social em guetos, divididos por escolhas da vida privada.
Só vamos iniciar a edificação de uma sociedade justa, igualitária e progressiva quando respeitarmos as escolhas individuais e exaltarmos os traços comuns que nos unem em torno de um bem maior.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras