Há alguns anos, uma campanha de marketing enalteceu o povo brasileiro ao colocar este em uma posição de perseverança constante na busca pelos seus ideais de vida. “Sou brasileiro, não desisto nunca” ganhou os quatro cantos do país, do Oiapoque ao Chuí.
Falar do brasileiro em estado puro, na sua essência mais singular, é afirmar que o brasileiro é, antes de tudo um forte, parafraseando o saudoso Euclides da Cunha. Reconhece-se a própria identidade do povo brasileiro, que levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima.
Nossa história, enquanto nação, é cheia de percalços. Fomos subjugados por Portugal, compramos nossa independência com dinheiro da Inglaterra, criamos uma República para todos, que se reduziu aos poucos. O povo, o mais importante da nação, sempre às margens das prioridades.
Não à toa, grandes escritores debruçaram horas de seus conhecimentos para retratar as mazelas que pessoas das classes ditas inferiores eram submetidas em épocas passadas. E ainda hoje são.
Aos índios, donos da terra, pouco ficou; aos negros e mestiços, que ergueram esta nação com seu suor, restou o subemprego. Amontoados de brasileiros que foram jogados à própria sorte, sem lar, estudos e oportunidades de ascensão, condenando alguns a uma vida de transgressão.
Mas sem querer adentrar no embate sobre causas e consequências de um quadro social deveras esfacelado, reporto-me a refletir sobre aqueles nacionais que fazem acontecer. Brasileiros que trabalham sem cessar para sustentar um Estado que muito ainda precisa dar em retorno aos seus cidadãos.
São pessoas ditas comuns, que fazem a engrenagem Brasil seguir adiante e que cooperam para que tudo a nossa volta possa girar. O avião que voa, o trem que se desloca, os caminhões que transportam, todos são movidos com a força de vontade e a disposição de quem faz este Brasil andar.
A comida posta à mesa é fruto de muito trabalho, aliado à tecnologia e formas inovadoras de cultivo, seja na lavoura familiar ou na agroindústria. A roupa que nos veste a todos, das mais simples às mais recatadas marcas, obedece a um árduo processo de transpiração.
Alguns acham que tudo possuem e em nada precisam de outrem. Ledo engano! Os mais abastados, muitas vezes não se dão conta de que o seu conforto é bancado pelo sacrifício de tantos outros que fazem parte de uma gigantesca cadeia de produtos e serviços edificada por pessoas simples.
Gente que trabalha de tudo em quanto. Carteira assinada de manhã, bico pela tarde no aplicativo de transporte, venda de churrasquinho na praça ao anoitecer. A luta é dura e constante.
Para alguns poucos “abençoados”, esses brasileiros são pessoas invisíveis. Aqueles que lidam na roça, nas caldeiras das metalúrgicas, nas linhas de montagem industriais, atrás de um balcão de comércio e que, ao fim do dia, regressam aos seus destinos em ônibus e trens lotados.
São eles, no entanto, dignos de reconhecimento e aplausos, assim como quem veste a mais fina seda e que é dono dos meios de produção; ou daqueles que vestem seus jalecos nas clínicas com endereços mais nobres; ou, ainda, daqueles que levam sobre os ombros suas togas e becas. Somos todos brasileiros.
Brasileiros que dedicam seus tempos para facilitar a vida do outro. Dirigem, guiam, pilotam, transportam, comandam. Ensinam, fazem a segurança, salvam vidas. Não apenas pelo salário, pois o que dizer dos milhões de voluntários Brasil afora?
Vivemos hoje em um Brasil que pesquisa, desenvolve, cria, inventa, empreende, inova. Um país que levanta cedo, dorme tarde; ou mesmo que não dorme, divide-se em turnos, alterna escalas, encara plantões, faz hora-extra. Uma nação que não para.
Outra campanha publicitária, também não tão antiga, dizia que o melhor do Brasil é o brasileiro. De fato, não tem gente melhor que a nossa. Do pobre ao rico, dos pés descalços ao preto irretocável do bico fino com solado de couro.
Ser brasileiro é ter o sorriso escancarado, mesmo diante das tristezas e amarguras que a vida traz. É ter fé, se agarrar na religião quando tudo aponta para a desistência como caminho mais provável. Por falar em religião, é ser tolerante com as mais diversas correntes religiosas.
Cai aqui, levanta acolá, vida que segue. Se a chuva não vem, junta o que pode e ruma ao desconhecido, mas ao primeiro aroma petricor, da água que encontra o solo ressequido, regressa cheio de alegria para suas origens.
Ser brasileiro é não desistir, é ter crença, é trabalhar com a esperança de que cada dia constitui uma nova oportunidade para construir um futuro melhor. Seguir em frente é a sina de quem nasceu para acreditar, e vive para fazer valer o velho sonho de sermos o país do futuro.
Sim, ainda somos o país do amanhã, da bonança. A terra prometida há de chegar. E falo isso com toda convicção e lucidez, sabe-se lá de onde as tirei. Talvez seja a conclusão de toda essa vaga reflexão, afinal, sou brasileiro em estado puro. Enquanto houver um por cento de chance, o brasileiro colocará noventa e nove por centro de transpiração. Tem que dar certo.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras