*Por Osmar Gomes dos Santos
Em uma semana marcada por acontecimentos alusivos à consciência negra, que resgata um passado, cujos exemplos devem permanecer vivos para posteridade, para que não cometamos mais os mesmos erros, destaco a organização de um grande movimento que está prestes a acontecer.
O município de Alcântara, no Maranhão, considerado o maior contingente populacional de pessoas autodeclaradas negras do país, mais de 80%, está na iminência de testemunhar um feito histórico.
A partir da assinatura do Decreto Federal 12.190/2024, pelo presidente Lula, em ato ocorrido no mês de setembro; 18 territórios quilombolas voltam a pertencer às pessoas que lá residem.
O Decreto afasta, em definitivo, a possibilidade de destinação de uso dessas áreas para fins militares, relacionados a projetos aeroespaciais desenvolvidos no Centro de Lançamento de Alcântara.
São mais de 70mil hectares, em cada palmo de terra, a sensação de devolução daquilo que é de direito para quem ocupa essa região há mais de um século. São 152 comunidades quilombolas que conquistaram um direito há muito sonhado.
Mais de 3.300 famílias alcançadas, a quase totalidade oriundas de escravos. Pessoas que conseguiram se libertar das correntes que a aprisionavam no tradicional mercado de escravos, ou que se negavam a trabalhar de maneira forçada em lavouras da região, muitas delas, embrenharam-se nos matos e encontraram refúgio em localidades distantes do mandonismo escravocrata que reinava até o século XIX. Agora, chega o tão esperado dia de dizer “é minha esta terra, na qual nasci, cresci, plantei e vivo”.
Para consagrar este momento, a população de Alcântara terá três dias intensos de serviços em diversas áreas e, dentro da programação, a entrega de matrículas para a União das áreas quilombolas que passarão pelo processo de regularização.
Com apoio do TJMA e outros órgãos, a COGEX levará serviços de registro civil, promovendo acesso à documentação básica. É o programa Registro Cidadão dentro do projeto Viva Alcântara, criado para devolver a dignidade a milhares de alcantarenses.
São serviços gratuitos, a exemplo do casamento comunitário, que terá uma edição especial dentro da programação. Ao todo, 94 casais terão suas uniões oficializadas sem qualquer custo. Isso é segurança jurídica e valorização da família como pilar da sociedade.
Além dessas atividades, o Viva Alcântara promete levar serviços diversos, por meio de um sem-número de instituições comprometidas com uma causa para lá de nobre. Atendimento jurídico, emissão de documentos, ações de saúde, capacitação, fomento à economia verde, por meio do empreendedorismo sustentável.
Que seja o primeiro de tantos outros projetos voltados àquelas pessoas que realmente necessitam, alcançando outros tantos municípios maranhenses.
Lá se vão mais de cem anos do fim da escravidão. Mas, em se falando da propriedade da terra, parece que somente agora milhares de pessoas puderam obter a verdadeira liberdade e autonomia de suas vidas.
Um pedaço de terra, cristalizando um direito constitucional, mas que, na prática, existe bem antes da Carta Magna, um direito ancestral. Que cada pedaço de chão possa florescer, prosperar e multiplicar vida. Viva Alcântara!
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.