Em meados do século passado Marshal McLuhan previu um mundo tecnológico sem fronteiras, cujas ferramentas permitiriam encurtar distâncias e as pessoas estariam conectadas instantaneamente, independente de sua posição geográfica. Essa realidade chegou, talvez muito além daquela prevista pelo filósofo canadense, e com ela inúmeros desafios a serem enfrentados nos mais diversos campos sociais frente às novas tecnologias.
Convém destacar um aspecto importante que é a influência das tecnologias na sociabilidade, que implica no comportamento adotado pelos membros de uma coletividade nas relações entre si. Isso porque temos um contexto social heterogêneo, formado por indivíduos que não sabem conviver com essas ferramentas, enquanto outros não sabem lidar com suas próprias frustrações que a vida no plano concreto traz.
Desse composto de cidadãos, analiso particularmente o comportamento de duas gerações, Y e Z, ao lidar com novas tecnologias chamadas de redes sociais. Destaco essas duas parcelas etárias da sociedade devido suas condutas serem diretamente influenciadas pela forma como lidam com as redes cotidianamente.
A geração Y tem por característica um amplo conhecimento das tecnologias, buscando projetar nos espaços virtuais aquilo que é ou gostaria de ser no plano real. Cresceu junto com a popularização de inúmeras tecnologias e a “glamorização” da vida trazida pelas mesmas, o que passou a despertar desejos, vontade de ser, de ter, de se destacar.
Por outro lado, a geração Z – mais notadamente aqueles que vieram no novo século – aprenderam a “ler” o mundo por meio das tecnologias e se acostumou às facilidades e benevolências de uma existência praticamente sem limites, nas quais os relacionamentos são estabelecidos apenas para proveito de suas necessidades particulares. Está caracterizado naqueles jovens que não sabem ouvir “não”, querem ver supridos os seus anseios.
No tocante à parcela Y, são pessoas, outrora anônimas, que ganharam o seu próprio “veículo de comunicação” para divulgação da sua rotina, suas opiniões, sua vida. Terminam por buscar nas redes sociais aquilo que não encontram fora dela: reconhecimento, destaque, fama. Lançam-se nas redes buscando saciar um desejo não suprido no mundo real.
Em relação à camada Z, pode-se afirmar que há uma espécie de simbiose entre as práticas do real e do virtual. No entanto, a criação de um mundo com raízes virtuais e muitas vezes sem o acompanhamento devido dos pais, edificou muros em torno de comportamentos individualistas e até antissociais, com dificuldades para lidar com situações em equipe ou sociedade.
Não é estranha a associação que alguns estudiosos fazem com o famoso cãozinho de Pavlov. Ivan Pavlov foi um médico russo que realizou experiências que consistiam em tocar um sino antes de alimentar os cães. Com o passar do tempo, ele passou a apenas tocar o sino e não mais dispor do alimento. Consequentemente os cães ficavam ansiosos e salivavam por um prato de comida que não vinha.
Esses estudos foram levados para o comportamento humano e técnicas foram aplicadas em diversas áreas, com destaque para as ciências da comunicação. Na essência quer dizer que o comportamento é condicionado por determinadas ações cotidianas, cujas ações do indivíduo geram uma expectativa de retorno, uma espécie de recompensa.
Trazendo esse exemplo para a análise em questão, ressalto que o perigo está justamente na forma como as pessoas estão lidando com as tecnologias das redes sociais em um espaço em que querem ter reconhecimento a partir de suas ações. Neste cenário virtual em que parece só se estampar felicidade, as pessoas estão ficando cada vez mais condicionadas, viciadas, no uso das ferramentas de relacionamento e isso tem trazido efeitos nefastos para o cotidiano real.
Pessoas, com destaque para as gerações citadas, gastam horas, até mais de dez por dia, conectadas nas redes. Trabalham, praticam esportes, se alimentam e realizam as mais diversas atividades mantendo-se online. Daí as postagens e compartilhamentos, com a esperança do dito reconhecimento que não vêm. O paradoxo está em ter milhares de “amigos”, mas sentir-se preenchido de um profundo vazio existencial.
A dependência da internet, já considerada uma doença, tem levado a uma serie de outras novas doenças relacionadas principalmente ao comportamento. Efeito google, que é a falta de capacidade de assimilar informações e conteúdo, uma vez que tudo está a um clique; hipocondria digital que consiste em se sentir doente apenas por ler algo na internet. Mas, sem dúvidas, o stress e a depressão são aquelas que trazem maior preocupação.
Pessoas que vivem online sofrem mais com os likes e comentários que não vêm. Já é comum vermos pessoas que publicam, curtem, comentam e até compartilham suas próprias postagens devido a ansiedade gerada mas não correspondida.
Essas condutas são perigosas e exigem atenção de pais, profissionais e todos aqueles que puderem ajudar. O estresse e a ansiedade podem caminhar para uma profunda depressão em razão da percepção de que existe uma falta de aceitação dos outros para com aquele dependente de internet. Toda essa cadeia depressiva costuma culminar em suicídio, fator que preocupa por ser o Brasil o país a ocupar a oitava posição mundial nesse tipo de ocorrência.
Uma nova geração, chamada de alpha, está em curso e talvez possa ser a oportunidade de corrigirmos alguns caminhos para lidar melhor com as tecnologias. Impor limites aos filhos, fazendo-os compreender que as relações não podem ser líquidas e sem profundidade, tal como o mundo virtual não substitui o abraço, o papo à mesa de bar ou na calçada com os amigos, o chá da tarde ou o encontro de família.
A tecnologia, como tudo na vida, precisa ser utilizada com bom senso e equilíbrio. Já diz o ditado que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, se maior ou menor. Portanto, ainda há tempo de estabelecer a dose certa de tecnologia em nossas vidas.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.