2 de dezembro de 2020! Das regras e convenções, sejam elas jornalísticas ou literárias, não é comum iniciar um texto, parágrafo, com numeral. Mas a Língua Portuguesa tem das suas peripécias e sempre nos apresenta as exceções. Eis, aqui, tal exceção, uma importante exceção na escala evolutiva, na luta pela sobrevivência da espécie humana.
Exatamente nesta data, o homem provou que pode fazer melhor, que pode ser melhor, que pode unir forças para edificar em contraposição ao separatismo egoístico movido por interesses unilaterais. Nesta data, quarta-feira, 2 de dezembro de 2020, vem do Reino Unido a notícia da primeira vacina contra a Covid-19 totalmente liberada para imunização em larga escala.
O antídoto, fruto da parceria entre as farmacêuticas Pfizer e BioNTech superou todas as difíceis etapas, mostrou eficácia, foi aprovada por órgãos com rigoroso controle e alcançou aprovação para que se inicie um amplo programa de vacinação. Foram cerca de oito meses de árduo trabalho: de estudos, pesquisa, mapeamento genético, desenvolvimento, testagem. Uma busca incessante de algo que estava fora da compreensão, totalmente obscuro.
A inovação é resultado de um estudo que já vinha sendo desenvolvido há pelo menos três décadas, baseado no uso do RNA do vírus. Em toda a história da evolução humana nunca houve uma vacina produzida em tão curto espaço de tempo, obedecendo todos os protocolos e medidas de segurança.
A notícia é muito mais que animadora e aponta para uma possível revolução na área médica e farmacêutica. Com a vacina, tabus foram quebrados, crenças foram superadas e barreiras rompidas definitivamente. O tempo, que antes levava 4, 5 e até 10 anos para que os processos pudessem apresentar um resultado concreto, foi pulverizado.
Tal como a disseminação do vírus chocou o mundo e apanhou todos de surpresa, a notícia da disponibilização da vacina para uso em grande escala igualmente assombra, naturalmente de forma positiva, aqueles que acompanharam outros estudos. Para se ter uma ideia, até hoje não foi descoberta a cura para o vírus HIV, que pelo menos desde a década de 1980 faz vítimas mundo afora.
Outras vacinas vêm na esteira dessa rapidez, aliando segurança ao processo produtivo. Nos próximos dias, o próprio Reino Unido deve anunciar outras vacinas, o que também deve acontecer com os Estados Unidos.
O início da vacinação em massa aponta para um alento frente a onda da Covid-19 que varreu o mundo, mas ainda coloca pontos a serem debatidos e que exigem soluções conjuntas, além de uma forte atuação da Organização Mundial da Saúde.
Os desafios consistem em garantir que, tanto esta, quanto as outras vacinas, cheguem para todos, em uma escala global, notadamente para os países mais pobres, considerando o alto custo do produto. Além disso, há particularidades, como na vacina da Pfizer BioNTech, que necessita de uma peculiar logística para manter o produto em uma baixíssima temperatura, a fim de manter sua eficácia.
Para o Brasil, o desafio maior talvez consista nesses fatores relacionados a valores e a manutenção da temperatura. Resolvidos esses fatores, o Brasil preenche todos os requisitos para obter êxito em seu programa de imunização, ainda que as dificuldades para vencer barreiras continentais tenham que ser consideradas.
Isso porque a arquitetura de atuação advém de inúmeras campanhas em larga escala, o que gerou uma expertise particular ao país em ações de vacinação de massa, alcançando grande contingente populacional. Soma-se a isso uma grande rede de articulação que envolve União, estados e municípios, entes governamentais que dispõem de infraestrutura e corpo técnico capacitado.
Em relação aos recursos financeiros, a notícia vinda do Parlamento, de que R$ 2 bilhões foram liberados para compra e produção de vacinas, traz perspectivas animadoras. Resta contar com a agilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão que define regras de autorizações para vacinas.
Cabe frisar que o Brasil precisa agir rápido, o país voltou a registrar alto número de mortos em 24 horas. Foram 669 novas mortes ocasionadas pela Covid-19 de terça para quarta-feira e o total de óbitos já soma mais de 175 mil.
Diante de tamanha façanha da medicina, recordei-me da célebre frase de Neil Armstrong ao caminhar na Lua. Tomo licença para parafraseá-la e afirmar que esta vacina contra a Covid é um importante passo para a medicina, mas, sobretudo, um grande salto para toda a humanidade.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.