Tal como a letra da música “Casaco Marrom” (Evinha), queria voltar aos velhos tempos de mim. Sim, sinto saudade de mim, da época que simplesmente podia tomar a velha bicicleta nas mãos e sair às pedaladas sem rumo, com destino a qualquer lugar, à liberdade.
Decerto que, agora, precisamos seguir as medidas de isolamento impostas pelas autoridades para conter a Covid-19. Mas vai passar.
E quando passar, terei voltado aos bons tempos de mim. Sentir o vento bater no rosto, o coração palpitar mais forte, o suor escorrer pelo corpo até chegarem as primeiras gotas de chuva que lavavam o franzino corpo, mas incapazes de abafar o fogo que ardia dentro do peito. Das brincadeiras na ladeira, aproveitando a cachoeira que se formava com a água que corria.
As luzes se esvaindo davam lugar às primeiras sombras, que anunciavam a chegada da noite. Hora de partir para casa. No pequeno banheiro, o balde cheio denotava que a água da chuva fora aproveitada. Hora do banho de cumbuca.
Parte do almoço virava a sopa da noite, que aquecia e matava a fome. Quando não, um café preto com pedaços de pão que sobraram da manhã acalentavam o estômago. Apenas mais uma noite, logo o sol há de nascer. Era o pensamento que pairava em minha mente, já imaginando as novas aventuras do novo dia.
O tempo me trouxe muitas outras noites e igual quantidade de dias para aproveitar a minha liberdade. Com o passar dos anos, já não era aquela liberdade pueril, descompromissada, mas, ainda assim, o próprio arbítrio dava direção aos passos a serem seguidos.
Tantos anos a fio se passaram e em nenhum momento havia parado para pensar naquela tal liberdade. Na verdade, jamais esperava perdê-la, posto que sempre busquei me orientar pelos princípios ético e morais transmitidos por meus pais. Hoje, em meio à necessidade de nos isolarmos, percebo como era boa aquela sensação.
A liberdade que sempre usei como bem quis, embora com responsabilidade, às vezes sem dar a ela o devido valor, agora me faz falta. Vejo-a se esvair, como aquele sol no fim da tarde, que já não posso alcançar.
Ó, liberdade, deixe desse jogo de esconde-esconde, pois já não tenho mais idade para tais peripécias. A vitalidade de outrora já não pulsa em minha veia, então não me faça correr atrás de você, pois até aquela bicicleta, companheira de aventuras, o tempo corroeu sem piedade.
O jeito mesmo é você voltar. Deixar que te apanhe nos braços e te carregue no seio de minh’alma para não mais sair.
Prometo que serei ainda melhor desta vez, respeitando sempre os seus limites. Se voltares para mim, juro dar mais valor a ti. Sairemos sempre de mãos dadas, abraçados ou seja lá como quiser que te leve: nos braços, nos ombros, dentro do peito, na imaginação. Basta dizer.
Mas não tarde. As horas passam e a esperança parece cada vez mais longe. Esperança que agora, em pensamento, me faz te tomar pelos braços e correr pelos campos verdejantes da minha baixada.
Ah, mas não te quero só pra mim. Quero te dividir, permitir que todos te toquem novamente, te vejam, te sintam, te provem. Não és só de um, mas de todos.
Ó, liberdade, quanta falta sinto de ti. De poder calçar os tênis e caminhar contigo no calçadão a contemplar nossas belas praias, sentindo a brisa tocar o rosto. Saudade de ti, que não tens preço, mas possui valor absoluto e inestimável, que nenhum cifrão pode pagar.
Volte, liberdade. Tu que conjugas tão bem com o estar, o ir e vir, o reunir, o pensar, o expressar. Já não sou aquele pequeno descompromissado, sem rumos e desprovido de sérias responsabilidades. Estou pronto pra ti.
Não aguento mais a clausura. Quero voltar a abrir a porta do dia e entrar sem pedir licença. Sorrir pra qualquer pessoa, pra qualquer rosto, mesmo que dele não venha retribuição.
Sim, vai passar. Depois que a cortina do medo se esvair, eu vou tomar o meu casaco marrom e vou voltar aos velhos tempos de mim e correr com você de mãos dadas pelos rumos que a vida levar.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.