Era uma tarde de segunda, 4 de outubro, quando o sistema ruiu. Tudo parou e as pessoas estavam, instantaneamente, desconectadas. WhatsApp, Facebook e Instagram, os três pilares do império de Zuckerberg estavam incomunicáveis. Até o Telegram “bugou” com o excesso de pessoas que a ele recorreram como alternativa.
O fato causa espécie em razão da magnitude, posto que quase 3 bilhões de pessoas foram impactadas diretamente pela falha dos serviços. O episódio demonstrou como ficamos dependentes dessa tecnologia e, para muitos, como a própria vida é ancorada nas chamadas redes sociais.
A pane nos principais canais de relacionamento mostrou toda nossa fragilidade, diante do fluxo dos trilhões de teraPortes que por uma tarde congestionaram. E a analogia cabe bem no caso em tela.
Imagine como que você está trafegando em uma via com bilhões de outros carros, cada um com um destino. Você olha para um lado e para o outro, tudo parado. Volta-se para trás e não alcança o fim da fila de carros, mira o horizonte e não encontra a luz que representa o fim do túnel.
Você não consegue sair do lugar, o carro cheio de pacotes, cada um deles com encontros, compromissos, encomendas, entregas, sorrisos, imagens, informações. Tudo ali, estagnado em uma fila de dados na qual nada se processa.
A falha, com codinome tão estranho quanto o próprio problema, até foi detectada em tempo, mas não solucionada. “5XX Server Error”, para quem não é do ramo, algo que certamente soou bem estranho.
Na prática, o erro confirma aquilo que se apresentava para o usuário, ou melhor, o que não se apresentava. O termo técnico foi “traduzido” para o leigo como uma solicitação que não podia ser atendida pelo servidor, ou seja, o pacote de dados não podia ser entregue.
Sem comunicação entre servidor e usuário, a estrutura, ainda que por um curto período colapsou e mostrou a vulnerabilidade humana diante do emaranhado de complexas conexões que ditam o cotidiano. A vida hoje está nas telas dos smartphones, isso ficou mais do que provado neste 4 de setembro.
Muitos acreditam que as redes influenciam o cotidiano, mas sobre essa afirmação cabem muitas reflexões. Creio que a principal dela seja quem influencia quem? Em que dimensão? Ora, se são as redes feitas de pessoas, não seriam elas a moldar tais ferramentas, conformar seus padrões de vida?
De toda sorte, mesmo sem uma resposta, visto que este não é o cerne deste ensaio, a paralisação mostrou o quanto nos tornamos dependentes da tecnologia para as mais diversas situações da vida em sociedade. Do simples bate papo às chamadas de emergências que podem salvar vidas.
Por uma tarde, negociações paralisaram, transações não foram concretizadas, pedidos, serviços ficaram parados, trabalhos ficaram pendentes de aprovações, muitos trabalhadores cruzaram os braços. Um prejuízo financeiro certamente incalculável.
O próprio Judiciário hoje utiliza todas as redes para de alguma forma se relacionar com seu público. Para o exercício diário de suas atividades, cito o WhatsApp, ferramenta que possibilita a realização de um sem número de atos judiciais, todos válidos e atendendo ao princípio do devido processo legal.
Intimações, comunicações, cumprimento de diligências e até casamentos já são feitos com base no aplicativo, que já não é só de mensagens, mas um completo sistema de comunicação.
Diante da queda dos sistemas, teve gente que ficou praticamente incomunicável, uma vez que muitos já se habituaram a fazer até as ligações por meio desses dispositivos, em especial o WhatsApp.
O episódio foi uma oportunidade para repensarmos a forma como lidamos com esses dispositivos. Se por um lado não podemos mais viver sem as facilidades por eles trazidas, por outro o ocorrido confirma que a concentração em apenas um conglomerado gera um risco iminente ao funcionamento da própria sociedade.
Por algum momento, voltamos a ser puramente humanos. Podemos trocar o toque do touch screen pelo carinho ao próximo, o foco nas telas pela atenção ao nosso comum. Os likes puderam ser feitos olho no olho, com transparência e sinceridade, assim como aquele afetuoso abraço em quem amamos pode ser dado em verdade.
Salvaguardando eventuais impactos negativos, a tarde daquela segunda constituiu uma grande oportunidade para assistirmos a um bom filme, ler um livro, compartilhar mais momentos ao lado de quem amamos.
Por fim, o fatídico evento serviu de lição para mostrar se realmente estamos no controle de nossas vidas, na dianteira dos processos e relacionamentos estabelecidos cotidianamente.
E você? Aproveitou aquela pausa para voltar os olhos para o que realmente importa e retomar a rotina “normalmente” no dia seguinte; ou entrou em colapso varou a noite tentando organizar as centenas de mensagens e acontecimentos após o restabelecimento dos serviços?
Essa é uma reflexão importante e a resposta definirá bem quem assume as rédeas da sua existência.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras