Em tempos de redes sociais – espaço onde as informações circulam com maior liberdade – um tema ganha cada vez mais atenção nos embates no mundo jurídico: a ofensa da honra por aquilo que é dito por profissionais da imprensa. Vive-se uma dicotomia entre a garantia constitucional da liberdade de expressão, o livre exercício da atividade profissional, a garantia do sigilo da fonte frente à mera subjetividade da honra do que alega ofensa a sua pessoa.
“Data máxima vênia”, repercutiu mal a atitude recente do ministro Dias Toffoli de determinar abertura de inquérito para apurar notícias jornalísticas e supostos ataques à honra de ministros da suprema corte. Além de extrapolar suas prerrogativas funcionais, haja vista competência da Procuradoria Geral da República, a medida gerou uma avalanche de críticas de vários setores da sociedade, inclusive dentro do próprio STF.
No mundo concreto, o que já se verifica é que milhares de ações começam a ocupar espaços do Judiciário para discutir se a divulgação de notícias ofende ou não a honra de terceiros. De forma particular, vejo com certa reserva quando esse alguém é servidor público, investido na função de conduzir a coisa pública e, portanto, tem sua conduta sujeita a cobranças, opiniões e críticas.
O agente público não está acima da lei e jamais deve atuar de forma a atentar contra a liberdade de imprensa, não importa a posição que ele ocupe no âmbito dos poderes constituídos. Incomoda constatar a forma como alguns servidores vêm lidando com esses profissionais, abrindo fogo em ações judiciais em razão das publicações nos mais diversos veículos de comunicação.
Como afirmar que a honra pessoal, privada, de pessoa pública está sendo atacada quando o que se noticia é algo relacionado à sua função como gestor? Ali, ele se investe na qualidade de representante de um segmento da sociedade? Posição esta, diga-se, que deve guardar integral compatibilidade com os princípios constitucionais, a ética e a moral que a nação anseia. A atuação do agente na qualidade de representante público diz respeito diretamente à coletividade.
A medida do ministro e tantas outras vistas recentemente seriam prenúncio de que tempos sombrios estão aportando novamente no país? Retorno da censura prévia? Bom, defendo que não há espaço para tais práticas em nossa democracia. Creio que passamos por um momento de ajustamento no comportamento social, face intensas mudanças tecnológicas que impactam as relações cotidianas.
A liberdade de expressão tem sido reiteradamente confirmada em encontros internacionais, fazendo nascer tratados, atas, cartas, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, Convenção Interamericana de Direitos Humanos, Declaração de Chapultepec, Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, dentre outros. As normativas contidas nesses escritos encontram integral guarida em nossa Constituição.
“A censura prévia, a interferência ou pressão direta ou indireta sobre qualquer expressão, opinião ou informação por meio de qualquer meio de comunicação oral, escrita, artística, visual ou eletrônica, deve ser proibida por lei. As restrições à livre circulação de ideias e opiniões, assim como a imposição arbitrária de informação e a criação de obstáculos ao livre fluxo de informação, violam o direito à liberdade de expressão”, diz trecho da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão.
Decerto que se deve separar o joio do trigo, como ocorre em toda profissão. Mas entendo que cada mercado constitui elementos suficientes para uma espécie de triagem, algo como seleção natural, onde somente aqueles probos, corretos e competentes perduram e constroem uma carreira. Não é assim em toda atividade profissional?
O que não parece razoável é exercer uma espécie de controle externo sobre uma atividade lícita, resguardada constitucionalmente. Não obstante, a Carta Magna vai no sentido oposto, ao destinar à imprensa a “vigilância” sobre o Estado e a própria sociedade. A imprensa é a garantia da transparência, pilar de moralidade encravado no seio da administração pública.
Não creio que profissionais de imprensa, que passaram anos pelo crivo de uma faculdade, tal como outros profissionais – médicos, advogados, magistrados, engenheiros, professores, enfermeiros – se sujeitem a redigir um texto com finalidade espúria de atacar e prejudicar alguém. Se o único fim fosse este, entendo que há mecanismos diante das novas tecnologias para que esse mal profissional o fizesse sem, digamos, “dar sua cara a tapas”.
Ademais, ressalto que erros podem ser cometidos, como em qualquer outra atividade, oportunidade em que tais profissionais podem responder pelos seus desvios. Em regra, a imprensa busca ouvir a outra parte. Ainda que em algumas vezes isso não ocorra, cabe destacar o espaço assegurado ao ofendido para que se manifeste e esclareça o que fora divulgado.
Pode-se buscar a verdade dos fatos mediante uma simples interpelação judicial, fase pré-processual que oportuniza ao ofendido fazer questionamentos a serem esclarecidos pelo profissional da imprensa. Em regra, esse era o ponto máximo que se chegava. Quando muito, abrindo-se o processo judicial propriamente dito, verificava-se de pronto a celebração de um acordo entre as partes.
Em tempos que se propaga – de norte a sul do país – o discurso da conciliação, levar adiante ações contra profissionais da imprensa é demonstrar total dissonância com a realidade e com os preceitos constitucionais, principalmente se essas ações partem de agentes públicos. Essa conduta só afasta a sociedade das instituições públicas, criando um abismo cujo resultado pode ser catastrófico para o exercício da cidadania e para a democracia.
Cabe ressaltar entendimento do ministro Barroso em manifestações recentes no STF sobre a liberdade de expressão, segundo o qual esse direito ganha posição de destaque em nosso ordenamento e nos documentos internacionais. Para Barroso, a liberdade de expressão tem função essencial para a democracia, ao passo que garante o livre fluxo de informações e a manutenção de um debate público irrestrito. Outro ponto é que esse direito está intimamente ligado à busca da verdade, algo indissociável do exercício da vida pública.
Não se pode admitir, sob qualquer argumento a volta da censura prévia, ataques às liberdades de expressão e de imprensa. O poder público nos últimos anos se viu envolto a quase total desmoralização devido práticas espúrias de alguns de seus agentes. Nós, servidores públicos, devemos fazer “mea-culpa” sim e entender, definitivamente a nossa vocação e, principalmente, nossa função social de promover o bem estar.
As instituições devem velar pela prevalência do Estado democrático de Direito, assegurando as liberdades fundamentais, não o contrário. A liberdade de expressão é um direito fundamental, alicerce da dignidade humana e encarnado em nossa Constituição Federal.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.