Para começar, permitam-me rememorar um pouco da história que atribuem a mim no mundo contemporâneo. Surgi ainda no século XVIII, como uma melhoria de outros costumes já utilizados, caindo rapidamente no gosto da nobreza e até da realeza. Para mim, criaram alternativas de uso, como o corte na parte de trás que facilitava o andar a cavalo, dentre outras formas padronizadas para exibição.
Tenho uma família um tanto considerável, blazer, smoking, paletó, fraque e até o semi-traque, este último uma invenção a brasileira. Minha apresentação, na verdade, deveria ser uma composição rigorosa de três peças, onde se inclui o colete às peças que envolvem os membros superiores e inferiores. Mas aqui me exponho de forma simples, no conceito mais usual que se dá ao terno.
Ganhei a companhia da gravata, com quem costuma causar ótima impressão. Transmito uma aparência solene, formal, sóbria e mesmo quando não estou devidamente a combinar com o conjunto, percebe-se o esforço dos ombros sobre ao quais me apoio em querer causar boa impressão no seu interlocutor.
Em determinada época, virei sinônimo de bom gosto, requinte, glamour. Uma peça de distinção entre homens simples, do povo, e aqueles mais abastados. Possuir-me passou a ser uma questão de status, demarcando posições sociais e elevando comuns a outro patamar.
Na realidade brasileira, embora sirva para marcar uma rigorosa posição no cenário jurídico, tal como o jaleco marca na área médica, confesso que por vezes chego a presenciar comportamentos que são tomados pela vaidade e soberba de quem, posso dizer em segredo, sequer merece a honraria que ostenta ter. Há dias, portanto, que volto para casa apenas com o desejo de recolher-me em meu guarda-roupa da vergonha.
Por essa razão, em algumas oportunidades, por mais que esteja impecável, sinto-me como que em um porre só, em permanente estado de embriaguez. Na aparência posso estar impecável, acompanhado de bons adereços e um parfum marcante, mas por dentro pareço terem me retirado de uma centrífuga: desajeitado, lapela desalinhada, uma manga mais curta que a outra.
Esse estado lastimável reflete o comportamento social de certa parcela daqueles que insistem em me vestir como forma pura e simples de demarcar uma posição, ou mesmo pseudoposição, de poder. Pessoas que agem somente para subjugar os demais a sua volta.
Para completar, embora sujeito íntegro eu seja, em dada época adentrei em uma fase ainda mais conturbada para minha existência, quando resolveram me associar a uma figura quase indissociável no meu cotidiano: o colarinho. Mas não era qualquer um, e sim o colarinho branco. Mais uma página obscura em minha caminhada.
Sofro por vezes com essa grande teimosia em quererem me envolver aqui ou acolá com certas categorias de indivíduos, cujos exemplos de conduta ética e moral não são dos mais admiráveis. Ainda assim, tento que manter minha reputação intacta, não me importando a máxima ensinada pelos nossos pais de que “quem se mistura com porco, farelo come”.
Mas tenho algumas passagens curiosas, já tendo sido tema de, literalmente, um acalorado debate entre Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro e Conselho Nacional de Justiça, quando aqueles causídicos queriam banir meu uso nos 40º do verão carioca. Até que, naquele cenário paradisíaco da Cidade Maravilhosa, cairiam bem umas férias: sombra, água de coco, praia.
Não pretendo – tal como nunca pretendi – ser símbolo de segregação entre comuns pelo simples fato de estar vestido. Gostaria de ser usado apenas como um traje para uma ocasião especial ou mesmo para a repetitiva jornada de trabalho, nada mais.
Para aqueles que já têm ou aos que pretendem a minha companhia, gostaria de lembrar-lhes os cuidados com uma eventual ditadura do terno. Meu poder, se é que o tenho, está relacionado apenas com a marcação de posições hierárquicas e papeis exercidos em dado contexto, jamais será critério para fazer qualquer juízo de valor quanto aos que me põem sobre os ombros.
Quero continuar tendo única e exclusivamente a finalidade de vestir, jamais, portanto, travestir a ponto de possibilitar a qualquer um a perda de sua própria identidade. Não é minha finalidade, por isso não me culpem, por eventuais desvios de personalidade.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.