O futebol brasileiro passa por um momento de intensa reviravolta e muitas reflexões. O Clube de Regatas do Flamengo vem empreendendo um modelo de gestão digno de ser analisado, copiado e melhorado por outros clubes do país. E não é apenas por causa dos recentes títulos da Taça Libertadores e do Campeonato Brasileiro, mas pelo que vem fazendo nos últimos seis anos em diversas frentes.
Todos que me conhecem sabem da minha inestimável e insuperável paixão pelo Vasco da Gama, quando o assunto é futebol. No entanto, isso não me faz perder a lucidez a ponto de não pensar de forma racional no que o nosso grande rival tem feito na história recente. No dito período, o Flamengo conseguiu baixar sua dívida em quase metade e eliminou os riscos de quedas para a divisão inferior, o que era uma constante em gestões anteriores na Gávea.
A dívida ainda é alta, R$ 418 milhões em 2018, no patamar da maioria dos grandes clubes do Brasil, mas hoje está dentro de um rigoroso controle. Pode parecer que pouco foi feito no âmbito econômico, mas o clube rubro-negro alcançou essa façanha conseguindo montar boas equipes e brigar por títulos. Levou uma Copa do Brasil, esteve presente em quatro edições da Libertadores e foi presença constante entre os times que brigavam pelo campeonato nacional.
Isso para falar apenas de futebol, já que o clube também investe em outras frentes, como basquete, vôlei, ginástica, natação e futebol feminino, apenas para exemplificar. Só para constar, em todas essas modalidades vem alcançando resultados expressivos.
Mesmo sem contar com patrocínios de peso, com a saída da Caixa, do futebol, o Flamengo de hoje passa uma sensação de que conseguiu consolidar uma receita diversificada, formada pela transação de atletas, venda de produtos, direitos de transmissão, programas de sócio torcedor, venda de ingressos e outros.
Somente em 2019, o clube embolsou cerca de R$ 295 milhões com a venda de jogadores revelados formados em casa, o que comprova um bom trabalho na base, com títulos em todas as categorias preparatórias. Com marketing, comercialização de produtos e outras receitas geradas com a marca Flamengo o valor saltou de R$ 538 milhões no ano passado para R$ 652 milhões em 2019.
A esses valores, somam-se as premiações da Taça Libertadores da América e do Campeonato Brasileiro, competições conquistadas no último fim de semana e que renderam mais R$ 115 milhões. Considerando mais R$ 88 milhões com a venda de ingressos, as cifras passam de R$ 1,1 bilhão. E estes números ainda não estão fechados, visto que o rubro-negro deve fechar o ano gerando receita.
As finanças ajustadas refletiram em campo. Campeão com quatro rodadas de antecedência no brasileirão, apenas 3 derrotas, 77 gols marcados, invicto 27 partidas. Na Libertadores a superioridade também foi confirmada com público, com artilheiro e com título. Possui 19 dos 20 maiores públicos nas competições em que participou, único ataque com mais de 100 gols no ano.
O até então desconhecido Jorge Jesus implantou uma proposta audaciosa, diferente do que se vê na atual conjuntura do futebol brasileiro. Destemido, não poupou jogadores, colocou o time para frente e sempre teve como primeiro objetivo a vitória, a busca do gol sempre. Vimos um futebol diferente daquele “retranqueiro” tradicional, no qual a preocupação primeira era não perder.
Tanto na competição nacional como na sul-americana o time rubro-negro esteve na ponta dos principais fundamentos, liderando grande parte deles. Melhor ataque, mais finalizações, líder em posse de bola, mais passes certos, o segundo em desarmes, uma das melhores defesas, e maior média de público.
Extracampo o Flamengo ainda contou com infraestrutura de ponta para treinamento e recuperação de atletas lesionados. Foram vários os casos, com destaque para a fratura do meia Diego Ribas, em que a redução de tempo de reabilitação de jogadores saltou aos olhos de quem acompanha futebol.
Que o recente trabalho do Flamengo possibilite uma mudança no comportamento de dirigentes e cartolas, de achar sempre a grama do vizinho mais verde. Não existe segredo ou fórmula mágica. Não se alcança resultados sem planejamento, investimento e paciência para superar intempéries. Inclusive quando se acerta por um lado, não há certeza de sucesso dentro das quatro linhas, vide PSG, de Neymar.
De fato que o Flamengo não é um clube milionário com recursos infinitos para investimento. Por outro lado, não restam dúvidas de que vem realizando uma gestão acertada e em plena harmonia com a arquibancada.
Deixando de lado as rivalidades que mantêm uma saudável competição entre jogadores e torcedores, aqueles que se julgam amantes do futebol precisam reconhecer o trabalho que hoje colhe frutos. O Flamengo não está para ser imitado dentro de campo, afinal, ali, são onze contra onze. Mas é o que faz fora dos gramados que precisa de atenção por parte dos demais clubes brasileiros, algo que alguns até vêm fazendo de forma modesta.
Vejo o grande esforço do meu Vasco da Gama, lutando para consolidar uma participação regular no campeonato nacional, após uma excelente recuperação que também passou pela organização da casa. Não por acaso, fez com o rival aquela considerada a melhor partida do Brasileirão 2019, no empate por 4 x 4. Noutra ponta, assistimos Botafogo e Fluminense brigarem até as últimas rodadas para escapar da “segundona”.
A fórmula para o sucesso? Bom, por mais que se saiba que não existe, é inegável o reconhecimento que deve ser dado a um modelo de gestão mais enxuto e que fez do planejamento a base para o sucesso dentro e fora das quatro linhas. Talvez esteja aí uma boa análise para outros clubes, cujas marcas consagram verdadeiras instituições, retomem seus caminhos e coloquem o futebol brasileiro novamente em destaque para o mundo.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.