Em tempos que estamos reclusos em nossas casas, consequência das medidas impostas pela pandemia, passamos a reforçar alguns hábitos caseiros, a exemplo de assistir a filmes. Em um desses, ouvi uma frase que, por mais forte que pareça, denota perfeitamente nossa passagem por este plano: “viver inclui morrer”.
Nesta breve trajetória, a morte é apenas uma consequência da vida, estando a ela ligada, umbilicalmente, desde o primeiro sopro, nas aquecidas e úmidas paredes de um ventre. É o destino de todos. Para alguns, um triste fim; para outros, apenas uma etapa a ser cumprida nesse mistério que é a nossa existência.
Vida e morte, linha tênue, extremamente sutil, entre presente e passado. Estar, ser ou ter se esvaído. Um simples esbarrão, um piscar de olhos, e estamos do outro lado. Obscuro, misterioso. Alguns dirão que é o fim de tudo; outros vão afirmar ser a continuidade de um projeto divino; enquanto há os que creem se tratar de mais uma etapa, idas e vindas entre as várias vidas.
Um caderno para meu filho, o filme em questão, é baseado em fato real, narra os últimos dias de vida de uma paciente, já no estágio terminal . A forma como a protagonista encarava a doença é uma mera particularidade. Na essência, ficam lições acerca da vida, a morte e o amor.
Após muita atenção e reflexão sobre o enredo, penso que a morte, tal como uma condição sine qua non da vida, já nos acompanha desde o primeiro respirar. Começamos a morrer quando viemos ao mundo, deixando um pouco de vida em cada uma das fases que passamos: infância, adolescência, adulta, velhice. Uma sucessão de etapas que levam a um inexorável destino.
A morte é processo, na maioria das vezes lento, a considerar nossa relação com tempo e espaço. No entanto, há aqueles que morrem mesmo em vida. Ainda que tenham no peito um coração que pulsa, este já não bate para viver, pois a vaidade, a soberba, a ganância, o egoísmo, e tantos outros comportamentos e sentimentos ignóbeis, já o consumiram a essência da vida.
O espírito leve e alegre daquela paciente terminal, não revela apenas o conformismo de quem aceitou o aparente trágico destino. Mas do que isso, nos ensina que a cada dia que se morre em matéria, é preciso viver em plenitude de espírito. Aprendendo e ensinando lições que, essas sim, se perpetuam ao longo das gerações.
Recentemente ousei escrever sobre a vida, fazendo um paralelo da mesma a uma festa. Nesta, etapas se sucediam ao longo da noite. Música, convidados, amigos, família. Um enredo que entra pela noite até que venha o último suspiro ao raiar do dia.
Lembrei-me da inspiração para escrever aquele artigo e pude estabelecer um paralelo com o que se passava na telinha. Efemeridade, características comuns das duas análises, denota o quão precisamos nos cercar de coisas boas, ter bons hábitos e aproveitar esta passagem da melhor maneira. Exatamente, somos passageiros.
Há um ponto que a pandemia da Covid-19 deixa algum aprendizado: o de que viver é uma aventura sem qualquer previsão. Perdemos amigos que pela noite nos sorriam, mas que pela manhã saíam de um hospital em um caixão. Rico, pobre, preto, branco, alto, baixo, gordo, magro, idoso ou de pouca idade.
Aprendemos que sobre a vida ou a morte não há controle. É como ter a ingenuidade de encher as mãos de água e esperar que ela não encontre alguma forma de escapar. Corre então por entre os dedos, para não mais voltar, familiares, parentes, conhecidos, amigos, a vida.
Não quero ser pessimista. Tampouco espero aqui enaltecer um discurso melancólico, capaz de buscar as lamúrias presas no âmago do leitor. Pretendo, noutra via, resgatar o amor à vida.
Posto isso, afirmo que é este um tributo à vida. Valorizar a vida é exaltá-la a todo instante, enquanto há ar nos pulmões. É a melhor maneira de celebrarmos essa grande festa, na qual todos os momentos e as conquistas devem ser agradecidos e comemorados.
Viver com prazer, viver com intensidade, viver com sorriso, viver com paz de espírito, saber viver. Para que no apagar das luzes, possa ter restado algum sentido nesta oportunidade que tivermos de prolongarmos um pouco mais o nosso estágio terminal de cada dia.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras