É certo que a maciça parcela da sociedade brasileira já ouviu falar da Semana de Arte Moderna. Outra grande parcela já aprofundou um pouco mais nos escritos sobre o movimento e certamente já ouviu sobre Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Di Cavalcante, Mario e Oswald de Andrade e Graça Aranha.
Sob um tom de vaias, este último, maranhense de São Luís, abriu os trabalhos do primeiro dia da Semana, com a conferência “A emoção estética da Arte Moderna”. E lá se vão 100 anos daquele 13 de fevereiro de 1922. Estava o Brasil, naquele período, a comemorar o centenário da independência de um país que ainda não havia consolidado uma identidade nacional, mas vivia diante de um espelho que não refletia sua face.
Abaporu e Antropofagia foram duas das obras que se tornaram expoentes da Semana, assim como poemas, poesias, músicas e outros ensaios artísticos que seguiram. Manifestações essas que soaram como um grito por uma identidade própria da arte brasileira.
Um brado que ousou quebrar com o padrão “belle époque”, que impactava não apenas a paisagem urbana, como vista no Rio de Janeiro, mas trazia alterações nos próprios costumes, também importados de além-mar e que ditava o comportamento social da época. Daí porque o movimento em si foi visto por muitos como um fracasso.
Romper com o “normal” não é fácil, em qualquer contexto. Indiferença, vaias, público escasso. No entanto, os artistas lá estavam cumprindo seu propósito, mesmo que sendo taxados de loucos, doentes mentais a serem ignorados por uma sociedade deveras hipócrita.
Mal recebida pela crítica, inclusive pelo já renomado Monteiro Lobato, e passada indiferente em um primeiro momento aos olhos de outros, a semana modernista foi, em verdade, uma semente.
Em terreno infértil, a tentativa prosperou e começou a brotar ali um movimento que criou raízes e sedimentou aquela tentativa de demarcar a identidade nacional. Arte não apenas para inglês ver, mas todo o mundo. Originalmente com selo “made in” Brasil, com “s” e não “z”.
A arte brasileira começara ali o rompimento com os padrões estéticos e parâmetros de outras escolas literárias. Os movimentos, os traços, as letras eram livres, sem as amarras cartesianas que emolduravam um quadro que não tinha a nossa cara.
Ensaiava-se uma nova maneira de pensar a arte, que começou ganhar atenção para discussão em espaços importantes da sociedade, inclusive na academia. Se a arte é uma forma de se expressar, por que não de uma forma própria, com traços verde e amarelo?
O rompimento com formalidades estéticas e a crítica ao padrão acadêmico instituiu um movimento de vanguarda que abriu e consolidou caminhos próprios, ainda que inspirado em levantes europeus. Inspiração de um movimento, não a cópia de um padrão de arte.
Do aparente fiasco ao marco de um movimento cultural que ganhou contornos característicos de uma arte genuína. Representou o improviso e a liberdade, outorgando a qualquer um a oportunidade de se expressar artisticamente. Afinal, que amarras, muros ou fronteiras a arte possui?
A regra passou a não ter regras, ou, pelo menos, uma regra peculiar e livre, passível de alcance, acessível a todos. O movimento constituiu, assim, a democratização da arte, tornando-a digna das camadas mais populares.Gente faz arte para gente.
O modernismo brasileiro foi, portanto, um evento de exacerbação do nacionalismo, sob a bandeira da livre expressão. Ousou, experimentou, quebrou tabus, rompeu barreiras e se consolidou como um divisor de águas.
Quebrando a métrica tradicional, os ensaios do modernismo brasileiro trouxeram a vida para dentro da arte. Retratou-se o belo não convencional, possibilitou-se a compreensão dos incultos, deu-se voz aos oprimidos.
Em sua reflexão, Oscar Wilde salientou que a vida imita a arte além do que a arte imita a vida. Mas tomando como pano de fundo a sociedade brasileira do início do século passado, ouso dizer que a Semana nada mais foi do que a arte copiando a vida, com todas as suas imperfeições e vicissitudes, retratadas nas autênticas manifestações.
Osmar Gomes dos Santos. Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.