*Por Osmar Gomes dos Santos
O discurso “a favela venceu” muito recentemente repercutido nas mídias, que tentam pautar o sucesso e a superação de quem veio do gueto, não se reveste de verdade em sua integralidade, na vida como ela é.
A favela segue como é, nada muda. Alguns poucos vencem, porém, a maioria segue “perdendo”, sem oportunidades, sem chances, sendo estigmatizados diariamente. Falta-lhe espaços para pôr em práticas suas relações sociais que fortalecem os laços comunitários.
Seguem escassos os aparelhos de Estado, o acesso ao saneamento, o ingresso e continuidade nos estudos, a oportunidade no mercado de trabalho. A lógica perversa da exclusao: diga de onde és e te darei (ou não) um emprego…
Na vida real, longe da “glamourização”, morro e asfalto parecem como água e óleo.
Nas relações sociais estabelecidas, sejam quais forem as finalidades, impera o preconceito e a desconfiança. O fato de alguém ser preto, pobre e da periferia é uma condição aos preconceituosos e racistas para que essa pessoa não seja digna de confiança.
Vimos isso em caso recente, com o Davi Brito, ganhador do reality Big Brother Brasil. Não vou tecer comentários ao programa ou a sua conduta no jogo, visto que todo país, ou parte significativa dele, acompanhou e conhece bem o vencedor dessa última edição.
Depois de sair da casa, como todo ex-participante, Davi ganhou holofotes, potencializados pelo prêmio alcançado. Fato que chamou atenção foi a campanha que o mesmo realizou para ajudar vítimas da tragédia climática no Rio Grande do Sul. Inicialmente mais de setenta mil reais foi arrecadado e convertido em subsídios como: água, um bem essencial naquele cenário de destruição. Mesmo fazendo sua parte, recebeu críticas nas redes e cobranças acerca da arrecadação e correta destinação.
De fato, quem atua nessa linha de frente e arrecada valores oriundos de doações para ajudar terceiros, deve sim prestar contas, atuar com transparência. Diga-se: o que foi feito pelo Davi. Entretanto, soa estranho a lógica dos dois pesos e duas medidas, não havendo a mesma atitude perante outros “famosos”, entidades e instituições.
Não dá para não pensar em um comportamento racista, que ainda está enraizado em nossa sociedade. Não falo do racismo que olha o negro como inferior a ser escravizado, mas do negro, visto como um subtipo humano, de segunda ordem, sobre o qual deve ser lançado permanentemente o olhar da vigilância.
É sobre esse comportamento que precisamos nos policiar constantemente e que devemos agir para combater e eliminar de nossas relações.
Davi poderia estar viajando com seu prêmio e ganhando ainda mais dinheiro com a visibilidade e com o potencial publicitário que alcançou. Mas está, assim como milhões de outros brasileiros, empenhado em ajudar os irmãos do sul do Brasil.
Por que isso incomoda tanto?
Por que traz desconforto a foto sorrindo mostrando alimentos a serem destinados à tragédia?
Em meio ao caos, não se pode comemorar a arrecadação e doação de quase duas mil cestas básicas, quase vinte mil quilos de alimentos, e centenas de fardos de água?
O trato com que a sociedade ainda tem para com pessoas pretas, oriundas da periferia e, portanto, pobres, ainda fala muito sobre a nossa herança racial.
Seguimos firmes e lutando para que viremos definitivamente essa página triste que segue sem um ponto final. Assim, quem sabe um dia possamos comemorar o sorriso da solidariedade sem o estigma do preconceito. Fazer o bem, sem olhar a quem, tal como repetido por Davi Brito.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.