Não sou especialista em guerra, tampouco tenho profundo conhecimento sobre os fatores estruturais e conjunturais que desencadearam os bombardeios russos sobre a Ucrânia. Mas não posso me furtar à análise, ainda que rasa e meramente opinativa sobre o fato.
Após mais um dia de intenso trabalho e atividades, chego em casa e, como de costume, vou me inteirar dos últimos acontecimentos no noticiário noturno. Já tinha notícia de que a Rússia havia investido contra a Ucrânia, quando acompanhei uma reportagem de um enviado a Europa. Naquele momento me perguntei: a quem interessa o sofrimento?
Seguia a narrativa. A quinta-feira amanheceu sobre os estrondos das notícias bombásticas, divulgadas ao mundo pelas agências internacionais ao som das sirenes de alerta. Tão rápidas como os mísseis, as informações cruzaram o Atlântico. As imagens do sangue derramado sobre o rosto de inocentes chocaram os quatro cantos do mundo.
Pus-me a reflexão. Decerto, e de conhecimento de todos, que o território da antiga União das Repúblicas Soviéticas se tornou uma região de conflitos sobre o globo. Mas porque tanto ódio e discórdia entre povos que deveriam conviver em paz?
Reaproximação da Ucrânia, assim como de outros países do leste europeu com o Ocidente? Qual o problema nisso? As nações são independentes, autônomas, devendo escolher livremente com quem manter suas relações. Mas não para alguns, enfim.
Argumentos de diferenças étnicas não me convencem, embora entenda que exista uma pitada desse ingrediente cultural. Por outro lado, tem uma forte questão territorial no cerne da questão e, certamente, resquícios de conflitos passados.
O conflito não apenas expõe que a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria ainda possuem chagas abertas. Feridas que nunca cicatrizaram voltam a escancarar aquilo que por mais de quatro décadas causou enorme tensão geopolítica no mundo.
Naturalmente que não são apenas esses os motivos de ofensiva sobre Kiev. Há interesses maiores, que vão além de uma mera vaidade e de um ato de loucura, como creem alguns. Há interesses políticos, econômicos, bélicos, energéticos e da medição de forças, obviamente. Mas vale tudo isso sobre cadáveres humanos?
Poder. Este fenômeno criado na mente humana que move vontades, por vaidades ou benefícios que ele pode trazer. Enquanto alguns buscam incessantemente o “poder”, outros milhões são vítimas dele todos os dias.
A guerra na Ucrânia tende a aumentar os movimentos populacionais forçados e desordenados, elevando o número de refugiados. A depender da intensidade da guerra, estima-se que centenas de milhares de pessoas vão engrossar a marcha dos refugiados.
Além disso, em um mundo globalizado, há impactos diretos em todas as partes do mundo. A Ucrânia produz trigo em larga escala, fornecendo o produto a dezenas de países, que poderão ficar desabastecidos ou terão que dispor de mais recursos para buscar a commodity em outra parte do globo, elevando o preço e agravando a fome.
Está em xeque o fornecimento de gás para Europa, que parece ainda adotar medidas modestas frente à invasão, justamente por conta da dependência do gás russo. Sob o clima de tensão, medo e incertezas, o preço do gás na manhã da quinta já disparava mais de 25% nas bolsas.
O preço do petróleo também disparou quase 10% na mesma manhã. Neste caso, todo brasileiro sabe bem como isso afeta diretamente o seu bolso. Gasolina. Transporte. Alimentos. Elevação do custo de vida. Inflação. Recessão.
Ainda assim, diante de todos esses impactos, o que mais me causa espécie é o sofrimento humano. Vidas que até então dormiam, trabalhavam, sorriam, namoravam, casavam, cantarolavam, corriam, brincavam, sonhavam, planejavam. Vidas que viviam.
Nas primeiras horas do bombardeio pelos menos 137 vidas já não viviam. Outras quase 400 sentiam na pele o sofrimento e os efeitos nefastos da guerra. Volto-me para o questionamento de abertura: a quem interessa tanto sofrimento?
Quando olho para nosso país, com todos os problemas sociais ainda persistentes, vejo o quão grande podemos ser e ensinar ao mundo. Temos problemas? Sim. Mas muitas qualidades e um povo generoso, diverso, tolerante. Vendo-nos no espelho, não dá para compreender racionalmente os motivos de mísseis cruzando o céu.
Encerrando o noticiário, volto a me indagar insistentemente, quase que como um mantra: a quem interessa o sofrimento?
Osmar Gomes dos Santos. Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.