“A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. A frase denota o fatalístico destino que arrebatará a todos nós, indistintamente, cedo ou tarde. Mas a autoria, o momento e contexto na qual a mesma se cristaliza estão em total dissonância com os anseios sociais.
Embora seja uma verdade, não são as palavras adequadas a serem proferidas a qualquer pessoa diante de suas perdas. Quem abraça aquele que termina de perder um ente querido e apenas diz, friamente, “levante a cabeça, siga em frente, a vida é assim”? Infelizmente esta é a forma fria de “demonstrar” o pesar do chefe da nação frente a uma crise sanitária sem precedentes na história brasileira.
Costumamos dizer que a morte é a única certeza que carregamos e que, para todos, ela tem hora para chegar. Crendices a parte, como explicar a um pai ou uma mãe, que enterraram o filho vítima do Coronavírus, que tal episódio é apenas mais um triste capítulo escrito pelo destino?
Sinceramente desconheço pessoas frívolas a tal ponto, talvez pelos ensinamentos que absorvi e que me proporcionam o convívio com pessoas “humanas”. Mas o mandatário da República parece deixar cada vez mais evidente seu posicionamento frente à pandemia da Covid-19. Aliás, pelo repertório de manifestações até o momento apresentado, já não causa qualquer espanto.
O momento já passou faz tempo, mas ainda é possível resgatar um pouco da dignidade esquecida em algum lugar, diante dos microfones ou nos poucos caracteres do Twitter. Para isso, é preciso descer do pedestal fatalista, da vaidade, da soberba, da arrogância. Em vez de continuar a dar de ombros para sociedade, ainda há tempo de reconhecer erros e omissões e agir de forma efetiva para salvar vidas.
Passamos da hora, todos, alguns mais que outros, de desconhecer limites nas palavras e de tomar atitudes apenas dentro do seu raio de ação. Para vencer a Covid-19 precisamos de um pacto, em todos os sentidos, das ações mais simples às mais complexas. Vide o alerta de que nenhuma nação conseguiu conter a pandemia sem um trabalho articulado entre poderes constituídos e a sociedade.
Não pretendo generalizar, posto que naturalmente esta articulação até acontece, em menor nível, em alguns entes federados. Mas é necessário que ela ocorra em nível de Brasil. Sem bandeiras, sem cores, sem ideologias, sem partidarismo. O que deve prevalecer, que inclusive deve ser o principal fim da administração pública, é o interesse coletivo
Poderes e instituições devem alinhar o tom e agir em plena harmonia no combate a doença. Não há outro caminho. Falas fora de sintonia apenas servem para desagregar.
À frente desse movimento deveria estar o presidente, bom que se diga, eleito de forma democrática para trabalhar por todos e não apenas agradar a algumas alas apoiadoras. Esqueçam os títulos dos eleitores, esqueçam a contagem regressiva para as eleições, sejam elas de 2022 ou mesmo as de 2020. É momento de olhar para os que agonizam sobre o último fio de esperança.
No lugar de lamentar, um chefe de Estado deve tomar a dianteira da nação. Congregar poderes, entes federativos, instituições, unir os três setores em torno de um propósito único capaz de promover ações para conter o avanço da doença. Desde o princípio era necessária uma ação orquestrada, devidamente planejada entre todos esses atores.
À beira dos projetos de poder pairam mais de duzentos milhões de brasileiros, muitos dos quais agonizam em leitos de hospitais, enquanto embates pouco importantes são travados aos holofotes do mundo inteiro, uma prova cabal da nossa incapacidade política de dialogar com as diferenças.
Essa desintegração apenas serve aos interesses daqueles que são inimigos do povo, que ainda encontram espaço para superfaturamento nas ações de combate à doença. Enquanto impera a desorganização nacional, alguns se aproveitam para encher os bolsos sob cadáveres amontoados em frigoríficos, tão gélidos quanto àqueles que pouco se importam com o sofrimento dos familiares.
Irresponsabilidade não devia ser a tônica do combate a crise sanitária, ainda há tempo de corrigir os rumos. A morte é inevitável, fato! Mas ainda há tempo para se corrigir a irresponsabilidade.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras