Ética não é apenas uma palavra de significado único, ou mesmo simplório. Embora todos a invoquem em oportunos momentos, a subjetividade que lhe é particular deixa margem a interpretações diversas. A depender do referencial – do arcabouço cultural e ideológico, do contexto no qual ela é moldada e empregada – o seu significado pode ganhar contornos interpretativos bem peculiares.
Neste ensaio, não se pretende ficar em cima do muro sobre tema tão fascinante e que mexe tanto com o cotidiano. Daí porque interessante apanhar emprestada a definição da ética como um conjunto de normas de ordem valorativa que norteiam o comportamento e a conduta humana. A derivação do grego remete ao que está intrínseco ao caráter de um indivíduo. Logo tem reflexo nos agrupamentos sociais, incluindo as instituições.
Diante de tal conclusão, interessante se faz pensar na relação a ética e a verdade? E que verdade cada um constrói cotidianamente? Pode-se, naturalmente, extrair paralelismos dessa delação – tal como podemos arrancar paradoxos questionáveis de um limiar tênue entre as duas concepções. Assim como a ética, a verdade também depende do referencial que o indivíduo tem de sua realidade, podendo andar juntas ou seguir direções opostas.
A linha que aproxima a ética e a verdade tem ganhado força no contexto atual, fazendo-as caminhar lado a lado na busca de uma sociedade mais justa. Nesta concepção, cada um passa a assumir papel importante na construção da realidade e, por fim, daquilo que é tido como verdade, que nada mais é do que um produto social.
Diante desse cenário, a discussão em torno das “fake news” começa a ganhar relevância. Dois episódios recentes contribuíram para esse debate: o primeiro trata da suposta influência dessas notícias no resultado das eleições norte-americanas em 2017; enquanto o segundo trata das notícias falsas sobre a vereadora Marielle Franco, divulgadas após seu assassinato.
Aquilo que se diz hoje, em regra, já não é dito mais apenas dentro do ambiente familiar ou nas rodinhas de amigos. Em um mundo atravessado pelas tecnologias que possibilitam mais interação, as ditas mídias sociais ganharam espaço de destaque na produção de conteúdos independentes e no seu compartilhamento. E é para este último ponto que está acentuada esta reflexão.
Por natureza, o ser humano busca causar uma impressão positiva de si. Vive-se em função do outro, que passa a ser o referencial dentro de um dado contexto. Seja nos âmbitos familiar, amistoso, amoroso ou mesmo profissional, a construção de uma boa reputação não ocorre da noite para o dia, mas leva tempo, dinheiro e dedicação.
Reputação é aquilo que permite uma definição de cada um de nós, dos valores que se defende e se carrega. É imagem de si para o outro. Cabe a busca pela compreensão do porquê um caminho que trilhado com tanto esforço, uma história edificada com suor e trabalho é simplesmente ignorada em época de “fake news”. Vive-se um frisson de compartilhamentos de conteúdos sem precedente na história.
Na ânsia de mantermos o status de “antenado” no que rola nas redes sociais, estamos cometendo afrontas a pessoas e instituições sem, em muitos casos, nos apercebermos disso. Com o propósito de parecer “descolado” e “informado”, vou tendo contato com todo tipo de informação sobre todo e qualquer tema. Minha única preocupação: serei o primeiro a compartilhar nos demais grupos. Daí já seleciono aquele conteúdo e disparo para tantos outros que tal como fiz o farão.
Assim, passo adiante uma informação falsa, equivocada, incompleta, invertida sobre um shopping, uma empresa de alimentos, uma loja, uma operadora de telefonia, uma companhia aérea, uma pessoa, um filho, um pai ou mãe de família. Pessoas físicas ou jurídicas que levaram tanto tempo para consolidar uma imagem positiva, hoje se veem frágeis frente às desventuras trazidas pela falta de responsabilidade de muitos em lidar com os meios tecnológicos.
Convém lembrar que todo e qualquer ato que ofenda terceiros é passível de punição e muitas dessas condutas são classificadas como criminosas. Mas há reparação para uma pessoa que teve o nome vinculado a um vídeo que possui conotação sexual? O que pode buscar um candidato que perde uma eleição porque inverdades sobre ele repercutiram nas mídias sociais? O que pode esperar a família de uma dona de casa, esposa e mãe linchada e morta após a confundirem com uma sequestradora de menores?
Casos reais envolvendo inverdades são divulgados e compartilhados diariamente nas redes, espaço que parece tão inócuo e serve para expressar rotinas, compartilhar alegrias e manter contatos com amigos. Da mesma forma que a diferença entre o remédio e veneno é a dose, nas redes sociais essa dose deve estar associada à prudência e bom senso. Não se deve compartilhar conteúdo sem a apuração de sua veracidade.
Empresas perdem dinheiro e clientes – algumas fecham as portas –, candidatos perdem a corrida eleitoral, autoridades são ameaçadas, pessoas perdem sua reputação, outras perdem a honra, a dignidades e até a vida em consequência das falácias compartilhadas por cidadãos comuns.
A efervescência social da conjuntura brasileira propicia um bradar vigoroso para pleitear mais moralidade e um basta naquilo que se entende como errado. Querer um país melhor é legítimo! Mas não se pode permitir que vaidades em querer compartilhar algo que acredita ser útil comprometa a reputação de terceiros. As eleições que se avistam prometem ser uma das mais importantes da história e a responsabilidade de cada um nesse processo cresce na mesma proporção.
Esta é, portanto, uma excelente oportunidade para o exercício da ética sob o viés da verdade. Não uma verdade particular, mas daquela que se constrói coletivamente objetivando o bem maior. Ética – antes de ser o que se espera do outro em favor da coletividade – é aquilo que cada um dá ao mundo tendo como propósito esse bem comum. Exercitemos a ética e a verdade prevalecerá.
Osmar Gomes dos Santos
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís, membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.