Diante dos acontecimentos ambientais que tomaram conta do noticiário nas últimas semanas não restam dúvidas de que alcançamos a última fronteira do descaso com nossas reservas naturais. A falta em fazer nosso dever de casa, no entanto, não dá a nenhuma nação o direito de determinar as ações como serão executadas para por fim à agressão ao nosso meio ambiente.
As chamas ardem como feridas abertas e expõem nossa fragilidade ao mundo. Mas antes de alguém pensar em levantar a voz para atacar, criticar, sob qualquer pretexto, quem quer que seja, é preciso ter em mente que a Amazônia é nossa. Pelo menos dois terços da floresta, 5 milhões de m², pertencem ao Brasil e, portanto, ao seu povo.
Feito esse recorte necessário, entendo que se mostram adequadas as críticas feitas ao governo federal, assim como eram aos governos anteriores. A Amazônia é um patrimônio que está acima de qualquer questão político-partidária e, por isso, o tema deve ser tratado com a seriedade que o caso merece.
A Presidência da República precisa ser protagonista e assumir o seu papel, por meio dos órgãos constituídos, na defesa do bioma amazônico. Mais do que ficar na defensiva ou proferir discursos efusivos que só agradam meia dúzia de admiradores, ela precisa entender e assumir a gravidade do problema, dialogar com demais poderes e órgãos afins, para juntos, definirem um plano efetivo de ações.
Entendo que essa proposta de cooperação ainda deve considerar os países cobertos pela Amazônia e, também, a ajuda oferecida por outros países na solução dos problemas. Não se pode utilizar o maior bioma do mundo como uma peça em um jogo de tabuleiro que é movimentada conforme interesses individuais em detrimento da coletividade.
Estamos falando da maior floresta do mundo, razão pela qual, lá, tudo acontece no superlativo. O maior rio; a maior reserva de água doce; a maior diversidade de plantas, insetos e animais; o maior filtro de absorção de gás carbônico. Mesmo com o conhecimento que possuímos desse peculiar bioma, pode-se afirmar que ainda não catalogamos metade da vida que pulsa na floresta.
Sob o solo, grande parte dele pouco útil para a agricultura, há riquezas minerais, algumas das quais são as maiores reservas do planeta. Além da água, é possível encontrar reservas de terras-raras (um composto de 17 tipos de metais), nióbio, ouro, diamante, ferro, manganês, estanho e até gás natural.
Ainda a serem descobertos os segredos de um mosaico pouco conhecido da ciência e as infinitas pesquisas, com os mais variados fins, a serem realizadas. Terra de povos ainda isolados, de tradições e culturas virgens, cuja Antropologia pouco avançou para decifrar importantes códigos de sociabilidade. Uma vastidão de fronteiras a serem desbravadas de forma consciente, jamais predatória.
Longe das guerras dos números que pipocam nos meios de comunicação, onde incluo as redes sociais, há de se convir que o auge da degradação vem após meses de nítido afrouxamento na fiscalização e na aplicação de multas, além da diminuição de repasses financeiros a órgãos essenciais à manutenção do meio ambiente.
Atualmente, uma das maiores razões para o desmatamento é o uso do solo para atividade agropecuária (80%), que, com quase 90 milhões de cabeças de gado, continua a avançar; seguida da agrícola, predominantemente para a soja, que abastece o mercado europeu e asiático. Esses dados são da Procuradoria do Meio Ambiente do Ministério Público Federal (2015), que aponta uma destruição de 20% da mata original desde a década de 1970.
O interesse internacional cresce na mesma proporção de nossa incapacidade de gerir os recursos disponíveis. A grande possibilidade de escassez de água no mundo torna a floresta ainda mais especial e um objeto de desejo de muitos países. Estima-se que de cada dez copos de água disponíveis no mundo, dois estejam na bacia amazônica. Potencial hídrico que somado a outras bacias país afora, deixa o país em posição privilegiada.
Pelo exposto, notório que o enfrentamento aos problemas não podem ocorrer apenas em nível de discursos e das guerras ideológicas. Seja sozinho ou em uma frente de cooperação internacional, que não ofenda a autonomia e a soberania brasileira, é preciso atitudes centradas em um plano de recuperação, preservação e exploração sustentável.
Manejo sustentável o qual se estima será capaz de produzir matéria prima para abastecer dezenas de mercados e gerar receitas anuais que podem beirar um trilhão de reais. O desenvolvimento pode e deve ocorrer, mas alinhado a um modelo sustentável, garantindo a manutenção das espécies, o reflorestamento e o equilíbrio do ciclo natural para que a floresta cicatrize as feridas abertas.
Não se pode permitir, sob o pretexto de que não cuidamos bem de uma riqueza que interessa a todo mundo, que outros países venham intervir e tentar transformar a Amazônia em uma zona neutra comum a todos. Por essa razão, precisamos de atitudes mais equilibradas e assertivas por parte dos gestores diretos do bioma, em especial do nosso presidente, cuja compostura precisa estar em harmonia com a importância do cargo.
No fim das contas, não queremos nem Trump, nem Macron, mas a manutenção da floresta como forma de garantir a perpetuação da espécie humana e da soberania nacional como nação forte frente ao mundo globalizado.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.