O Supremo Tribunal Federal (STF), órgão máximo do Judiciário no país, viveu uma das semanas mais agitadas de sua secular história, cujas posições certamente vão ecoar por mais algum tempo. Sob intensa pressão popular, e notadamente política, ministros da suprema corte tiveram que se debruçar sobre a difícil tarefa de mais uma vez decidir sobre a possibilidade de prisão após trânsito julgado em segundo grau de jurisdição.
Contra ou a favor, cidadãos foram às ruas, entidades representativas, operadores do Direito, detentores de cargos eletivos e partidos políticos se manifestaram, dando prova cabal de que a liberdade de expressão é um direito fundamental cuja prática vem se consolidando na jovem democracia brasileira.
Foram pelo menos dois manifestos de evidente peso jurídico e de notável envergadura representativa. De um lado, mais de cinco mil assinaturas, em sua maioria de magistrados e de membros do Ministério Público, fundamentava-se o pedido da manutenção da prisão após a segunda instância, sob alegação da presunção de inocência não ser absoluta.
Para aludida corrente, a mudança de posicionamento do STF sobre o tema em análise poderia resultar, ainda, na soltura de centenas de condenados por crimes graves, como corrupção, estupro, latrocínio, homicídio, formação de quadrilha, dentre outros. Isso, segundo tal vertente, geraria grande instabilidade jurídica país afora.
De outro lado, pelo menos 3600 juristas e defensores públicos, buscavam fazer valer o entendimento constitucional de que só poderia haver a formação de culpa após o trânsito em julgado. Ou seja, só poderia ser presa aquela pessoa que, respondendo a um processo criminal, tivesse todos os recursos esgotados.
Com o peso da nação sobre os ombros, o guardião da Constituição Federal mais uma vez analisou o tema em questão, a terceira vez em dez anos. Ao fim, após mais de 09 horas de julgamento, pelo placar de 6 votos a favor e 5 contra, venceu a tese de que a pena deverá ser cumprida após condenação em segundo grau de jurisdição.
As fundamentações de cada ministro revelaram o quão árduo é o processo de interpretação das leis. Justificativas pomposas e bem fundamentadas – ora técnicas, ora levadas pelo calor do contexto sociopolítico que vive o país – eram externadas para basear os posicionamentos que foram sendo conhecidos, um após outro.
Mas não cabe aqui falar em julgamento político. Não é isso! Todavia, quem acompanhou o julgamento pôde constatar perfeitamente como as leis, e naturalmente as interpretações que são feitas destas, evoluem com a sociedade.
Sem entrar no mérito do que defende cada vertente de pensamento e sem pretender qualquer juízo de valor sobre a decisão da mais alta corte de Justiça, entendo que um tema de tamanha relevância social para nação precisa de um entendimento firme, a fim de preservar a segurança jurídica e tutelar o bem maior que é o direito de cada cidadão e, naturalmente, da coletividade.
Ao STF foi dado o dever institucional de preservar a nossa constituição, órgão do qual se espera todo empenho no sentido de resguardá-la e interpretá-la, conforme cada caso e de acordo com a dinâmica social que se apresenta. O posicionamento e a coragem de, neste momento, trazer novamente à análise tema tão controverso para sobre ele debruçar um entendimento de caráter técnico e com repercussão direta em toda estrutura de Justiça é, sem dúvida, para ser louvado.
Outros casos tão ou mais polêmicos, com mais ou menos holofotes, sobrevirão sob as canetas dos onze ministros. Independente do posicionamento que um ou outro venha a ter sobre tais demandas, fica a certeza de que teremos uma suprema corte com coragem e disposta a enfrentar quaisquer debates a ela levados.
Um Estado democrático de Direito se constrói com instituições firmes, respeitadas e atuantes dentro da sua estrita esfera de competência. Da sociedade – e digo especificamente das diversas camadas que a compõem, sejam contra ou a favor, independentemente de suas emoções, paixões ou motivações –, não se espera outra postura se não a de chancelar os atos daqueles a quem foi confiada a Carta Magna.
Ao cidadão – insatisfeito ou não, mas que de forma geral pugna por um Poder Judiciário mais célere e com decisões mais efetivas – cabe o poder de decidir os rumos do país de forma diferente nos próximos meses.
O aparelho estatal e sua efetividade passa pelas mãos de cada cidadão a cada novo ciclo eleitoral. Que cada um possa, então, fazer valer o seu poder de decisão para que, especificamente no tocante ao Judiciário, possamos ter melhor estrutura, mais juízes e servidores para julgar de forma célere toda problemática social que sobre os pilares desse poder recai.
Vivemos um momento único no Brasil. Talvez um dos mais importantes da sua história e sem dúvidas o de maior destaque do período pós-democrático. E é importante se destacar que os rumos da nação passam necessariamente pela maior participação de cada um de nós no exercício diário da cidadania. A sociedade que queremos, com instituições autônomas, comprometidas e respeitadas, começa na conduta de cada um de nós.
Osmar Gomes dos Santos
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís
Membro das Academias Ludovicense de Letra, Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.