Sou cidadão comum, sou “José”, dito do povo. Sou cidadão, pai de família, trabalhador, costumava sair de casa quando o sol ainda não havia rompido a gélida escuridão e costumava retornar somente com o seu crepúsculo, ao cair de um novo anoitecer. Tempo com a família costumava ficar reservado para as horas dos fins de semana.
Essa era minha rotina diária, despedaçada por um companheiro inóspito chamado Coronavírus. Vi tudo mudar de repente. Sofri na pele o que é buscar atendimento médico em uma unidade pública de saúde.
Dos maiores sofrimentos, creio que nada se compara ao descaso que vi com a saúde pública. Lá faltava quase tudo. Os profissionais eram insuficientes, os leitos eram escassos, remédios em falta e toda infraestrutura precária. Parece que a tal Covid-19 apenas jogou luz em um sistema que no papel é exemplar, universal, mas na prática é um modelo a ser esquecido.
Pra início de conversa eu nem queria ter ficado doente, é claro. Mas ao cruzar o destino com esse dito Coronavírus, a única coisa que esperava, e nada mais natural, era um atendimento digno. Ah, mesmo leigo que sou, sei que tempo tiveram.
Primeiro foi uma anunciação fervorosa na China, seguida de Itália, Irã e Espanha. Quando por aqui aportou, a recomendação foi pelo isolamento, assisti isso acontecer de norte a sul do país. A justificativa é que a medida era necessária para melhor preparar as unidades de saúde para o pior que estaria por vir.
Após três meses é possível constatar que o pior, infelizmente, veio sobre a população; no entanto, o caos parece ainda tomar conta de muitos sistemas de saúde espalhados Brasil afora. Pergunto-me: e todo aquele discurso de preparar a estrutura? E todo aquele dinheiro destinado aos municípios brasileiros?
Não esperava nada além de saúde. Eu quero ter saúde, eu preciso de saúde. Ao precisar ir ao hospital, quero encontrar alguém que me receba bem, com carinho e dedicação desde o primeiro atendimento. Quero ser atendido por profissionais, de saúde e administrativos, que não apenas espera por seu justo soldo no fim do mês, mas que também amam seu ofício.
Ah, uma dose de amor e atenção nunca é demais, afinal, ninguém busca um hospital ou um posto de saúde para passear ou porque resolveu fazer uma visita. Em regra, só busca médico quem está com problemas de saúde e o afeto nessas horas eleva a autoestima e ajuda no processo de cura.
Quero ser olhado nos olhos por um médico que realmente se importe comigo, para o qual eu não seja apenas um prontuário. Quero ser ouvido, falar das aflições que ali me levaram. Quero um sistema no qual eu possa confiar, que um profissional de saúde me diga: vou cuidar de você. Quero ter saúde.
E não seria utopia minha querer, ali mesmo, poder realizar meus exames, aguardar os resultados e até mesmo ser medicado, caso necessário. Somente seguir para casa após passado qualquer risco. Tudo de graça, ou melhor, já incluído nos altos encargos descontados mensalmente em meu soldo, ou naqueles embutidos em produtos e serviços que consumo.
Não creio que esse ideal esteja distante de ser alcançado. A propósito, recursos disponíveis existem. Talvez seja necessária uma melhor gestão e correta aplicação do dinheiro que é público, portanto de todos.
Quero viver a política de Aristóteles, a qual só me foi apresentada em livros, por meio da qual o homem poderia alcançar a felicidade plena. Sem saúde não é possível gozar de tal status. Em verdade, afirmo que sem saúde nada se faz nesta vida: não há trabalho, não há diversão, não há estudos, nada. Eu quero, acima de tudo, ter saúde.
Acesso a uma saúde de qualidade é o princípio mais básico da dignidade humana, sem o qual nenhum outro pode ser buscado. Por que uma verdadeira odisseia precisa ser percorrida ao se buscar um direito tão básico, se, no papel, temos um dos modelos mais bem montados do mundo? O que falta para uma melhor integração dos sistemas e a melhor articulação entre todos os entes federados?
Aprendi com meus humildes, porém valorosos pais, que respeito deve vir de cima. Portanto, que os mandatários nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal possam fazer valer essa máxima que faz parte de nossa tradição.
Não peço nada demais. Nada de tratamento diferenciado, nada de mordomias, nada de privilégios, nada de favorecimentos. Apenas tratamento digno. Sou cidadão comum, sou “José”, dito do povo. Quero apenas, ter saúde.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.