*por Osmar Gomes dos Santos
Não é de hoje que o termo judicialização sugere, pelo menos ao leigo, a compreensão de levar à Justiça uma demanda que a ela não caberia tutelar. Situações cuja resolução seria noutra esfera, a exemplo da administrativa, evitando-se, pois, buscar o Judiciário.
O termo ganhou ainda mais destaque com a polarização política e a chamada “judicialização da política”, fortalecendo o estigma dito alhures. Da mesma forma como ocorreu com a judicialização da saúde e de tantos outros temas.
Agora a questão ambiental, especificamente do clima, também chegou à esfera judicial. Tribunais, não apenas no Brasil, começaram a ser acionados para decidir sobre a responsabilidade de eventos que impactam na mudança do clima. Mundo afora, notadamente após o Acordo de Paris (2015), aumentaram as ações judiciais climáticas contra a administração pública.
Em que pese parecer mais uma daquelas pautas que muitos entendem não caber ao aplicador da lei, vale lembrar que tudo que está regulamentado ou que encontra suporte em alguma norma, pode ser apreciado pela Justiça.
Decerto que há diversas normas e regulamentos que atravessam o tema, muitos dos quais na própria esfera administrativa. No entanto, o que se viu nas últimas décadas, especialmente após o encontro Rio 92 (Eco 92) foi um sistemático desrespeito a diversos desses normativos.
Desde então, a comunidade científica já estabeleceu entendimento sobre eventos associados às mudanças do clima. O uso sistemático de tecnologias vem reforçando esse consenso da ciência em nível global, estabelecendo relações diretas de causa e efeito.
A causa em si, bom que se diga, não decorre apenas da ação intencionada em causar dano ao meio ambiente, mas, também, da omissão no cumprimento de normas que reduzem, mitigam ou mesmo eliminam o risco de uma atividade desenvolvida.
Os exemplos são inúmeros. Cito os casos das barragens de Mariana e Córrego do Feijão; o avanço do mar em grande parte do nosso litoral; as chuvas torrenciais em várias regiões do país, com destaque para as mais recentes no sul de Minas Gerais e Região Serrana do Rio de Janeiro.
Obviamente que esse rol é imenso. Desastres ambientais, causados pela rápida mudança climática, vêm se avolumando diariamente em todo o globo. São perdas materiais quase impossíveis de calcular e vidas perdidas que nenhum valor monetário poderá devolver.
Problemas como aquecimento global, efeito estufa, deterioração da camada de ozônio, desertificação, aumento ou escassez de chuvas, tempestades compete a todos, principalmente ao poder público. Cabe o desenvolvimento de ações para a manutenção do meio ambiente equilibrado, onde se incluem a exigência do cumprimento, por todos, da legislação vigente.
Com o afrouxamento da fiscalização e a falta de efetividade nas políticas públicas voltadas para preservação ambiental, é natural que houvesse um movimento para a judicialização. Com destaque para as ações movidas por entidades ligadas à defesa do meio ambiente, os tribunais já começam a encarar essa pauta global.
Aqui, começamos a trilhar esse caminho da litigância climática. No momento atual, o Supremo Tribunal Federal analisa ações propostas em face do governo brasileiro no tocante à má gestão de políticas para equacionar as mudanças no clima. As ações devem ser julgadas nas próximas semanas.
Na Suprema Corte a tutela jurisdicional está em debate acerca da chamada “pauta verde”, como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional de Meio Ambiente. Da mesma forma, estão em discussão falhas na execução da Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC).
Nossa Constituição Federal traz o termo “meio ambiente” em, pelo menos, 19 dispositivos, todos eles relacionados à proteção, ao uso equilibrado e à manutenção dos recursos naturais. Dentre eles, destaco pelo menos três casos emblemáticos.
No tão completo Art. 5º consta que o cidadão pode propor ação popular contra ato lesivo ao meio ambiente. Mais adiante, o Art. 23 estabelece a competência dos entes federados na proteção do meio ambiente e no combate à poluição. Por fim, o Art. 225 ressalta que todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, sendo imposto ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo.
Embora a competência preponderante, fica evidente que o dever não recai apenas sobre o Estado, sendo dever de todos. Assim, empresas, em diversos países, têm enfrentado processos e cumulado penas em ações de danos ao meio ambiente. O mesmo pode ocorrer contra pessoas comuns, físicas, quando comprovado ato lesivo ao meio ambiente.
A conta da crise climática chega ao Judiciário. Tal fato nos abre espaço para uma profunda reflexão, pois o tema nos atinge, a todos, igualmente; todos os continentes, ambos os hemisférios, do Polo Norte ao Polo Sul.
Diante de um cenário de permanente descumprimento de normativos, é natural que o número de ações envolvendo o clima continue a crescer. Recai ao Judiciário, portanto, o protagonismo e o importante papel de assegurar as condições para a a manutenção da vida.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Escritor; Cronista; Poeta. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.