*Por Osmar Gomes dos Santos
Nunca busquei agir sob a luz do determinismo, não deixando que fatores ideológicos interferissem em minhas condutas. O olhar do outro é deveras importante, as visões de mundo que nos chegam, somam-se às nossas e enriquece aquilo que já temos. Porém se todas e todos têm um tanto de intolerância em si, eu diria, no meu caso, ficou reservado para a discriminação.
O caso do vereador de Caxias do Sul, senhor Sandro Fantinel, que ganhou, com toda razão, repercussão estrondosa na semana passada, é um desses casos que temos que abominar de pronto. Aí sim, deve predominar a intolerância.
Devemos ser intolerantes com o mal, com aquilo que separa a sociedade, com práticas que vão contra os princípios constitucionais, especialmente que tratam da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Intolerantes sim, entretanto com base legal, assegurando o devido processo para apurar e punir práticas que não encontram espaço em nosso ordenamento.
Contra fatos não há argumentos, tampouco pode haver argumentos contra fatos que estão devidamente embasados em argumentos proferidos, sem intermediários, pelo próprio vereador. É ele quem toma posição na tribuna de um parlamento e dispara palavras em alto e bom som, de forma clara, que atingiram não apenas aos baianos, mas toda “gente lá de cima” por consequência.
Gente lá de cima? Sim, mas também do meio, de baixo, de um lado e do outro, do Chuí ao Caburaí, do Seixas à Contamana. Gente, povo, pessoas. Brasileiros e brasileiras que para cá vieram e aos daqui se juntaram para formar uma só nação: plural e diversa em cultura, religião e etnias.
Causa espanto que um “representante” eleito pelo povo use a tribuna para se manifestar em defesa de atos praticados por empresários da região, que denotam clara configuração de trabalho escravo. Para resumir, desrespeito a direitos, exploração, convívio em espaços sem condições de higiene para, ao cabo, fornecer insumos para produção dos famosos vinhos e espumantes da Serra Gaúcha.
O vereador defendeu-se! Alegou usar “palavras ao vento”, que não vieram do “coração”. Obviamente, tais palavras vêm do sistema cognitivo, que tem como órgão central o cérebro, cuja faculdade nos permite ter o discernimento necessário. É onde se acumula nosso conhecimento, adquirido ao longo de nossa vida. Assim, não se pode querer defender que foi algo “fora de contexto”, em “lugar inapropriado”.
A discriminação não encontra lugar e ponto! Não seria na mesa de bar ou numa despretensiosa conversa de esquina, um local mais adequado para este ou aquele assunto. As palavras de desculpa não convencem, tampouco as sórdidas “lágrimas”. Explicações trazidas só tornaram pior o que parecia já estar péssimo. Entretanto, ainda bem que ele não tenha ficado calado após todo descalabro. Assim, o Brasil pode ter a certeza de que não houve má interpretação e que as falas foram preconceituosas: “a minha esposa, o pai dela é africano”. Bah, “guri “! É de espantar tal afirmação, tanto quanto aquela em que diz ter amigos na Bahia, “tchê”.
Como negro e de família pobre que sou, posso dizer que sobre as palavras ditas após o episódio, esforcei-me para acreditar em uma expressão: “não passou pela minha cabeça diferença de cor ou raça”. Se isso é verdade, somente prova o quanto já estão naturalizadas em sua conduta as atitudes discriminatórias. Não pensa, apenas age de forma atentatória à dignidade das pessoas em função de sua cor e origem.
Falas que ofendem não apenas os baianos, mas todo povo brasileiro, especialmente aos aqui de “cima”, do Norte e Nordeste. Ofensa aos escravizados em questão, mas, também, aos próprios argentinos, como se natural fosse a submissão às condições degradantes encontradas naquela ocasião.
Escravidão “moderna”, que acomete os menos favorecidos, que não lhes foi oportunizado estudo adequado, que precisam deixar suas famílias em várias partes do país, inclusive na região sul, para buscar oportunidades temporárias nas safras sazonais Brasil afora.
Sua família, fato, no caso em tela, nada tem a ver com as palavras estapafúrdias proferidas pelo vereador. Não sendo justas quaisquer ameaças a ela destinadas, sob condição de agirem os agressores tal como agiu o parlamentar e estando eles passíveis de responsabilização. Em um estado-nação positivado, o mal não se paga com o mal, todavia segundo a lei.
Nesse sentido, Patriotas, partido ao qual o vereador tinha filiação, anunciou sua expulsão. A Câmara emitiu uma nota modesta, daquelas típicas de que se trata de caso isolado e que não reflete o “pensamento” da Instituição. Em seguida, a Casa acatou o pedido de cassação, que vai tramitar naquele Parlamento.
Em tempo, é bom que se diga, o baiano é sim um povo festivo, que bom! Maior litoral do país, estado de belas praias, gente acolhedora e muito trabalhadora. E claro, um povo de festa, alegre, bem como os demais brasileiros, cuja cultura riquíssima deve ser celebrada.
O Carnaval da Bahia é maravilhoso, tanto quanto o do Rio. O São João encanta e faz o Nordeste ferver nos meses de junho e julho. Brasil de muitos ritmos, como a Polca dos gaúchos, que também tem suas festividades comemoradas, como a Festa Farroupilha e o Natal Luz que fascina milhões todos os anos.
Num enredo Caprichoso, temos sempre Garantido o Festival Folclórico de Parintins, a Festa de Reis, Congada, Festa do Divino, Círio de Nazaré, Oktoberfest, Cavalhadas, Festa do Pinhão. Oxi, meu Brasil, és tu um gigante, visse! País capaz de guardar nos teus limites todas as condições para todas as “tribos” em plena harmonia. És uma nação, de um povo único e heroico, de brado forte e que segue retumbante, para que os “lapsos mentais” não encontrem espaços nas relações sociais que ameaçam a igualdade tão buscada com braços fortes e que os raios sigam brilhando, para todas e todos, no céu de sua pátria.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.