*Por Osmar Gomes dos Santos
Sempre que tenho oportunidade largo tudo na cidade e boto o pé na estrada.
O destino? A simplicidade. Rumo para as coisas boas da vida, para sentir a terra nos pés, o afago de gente simples e humildes.
Trilho rumo à sinceridade, cada vez mais rara na trama de uma vida cada dia mais “virtualizada”.
Vou para onde as relações não têm filtros, onde os títulos que importam são os saberes que a vida traz no prazeroso ofício, com desempenhado esmero.
Encontro sossego onde o sinal não alcança… Tudo off line, menos eu. Quando desconecto desse mundo moderno e suas parafernálias, pareço estar mais conectado com a vida, com tudo aquilo que aprendi a dar sentido.
Nada como estar “linkado” com a natureza. Poder apreciar os rios, os lagos, a fauna e a flora que ainda resistem ao progresso. Perceber olhares e sorrisos sinceros de pessoas que se interlaçam num abraço, sem a necessidade de uma permissão, sem precisar de um bluetooth ou wi-fi.
Vou para onde não têm máquinas para intermediar as relações; onde a fala simples revela conhecimento profundo dos mistérios da vida.
Horas de prosa até cair a noite. No lugar das telas de última geração, tenho um céu cintilante a contemplar. A trilha sonora é variada: sapo, grilo, corujas e um punhado de outros “bichos” do mato. Tudo normal, o estranho, ali, sou eu.
Sigo para a casa. Nada de luxo, mas tudo com o conforto e a hospitalidade encontrada em poucos lugares. Uma cama boa, a fragrância impregnada nas fronhas e lençóis ou uma rede, cujo balanço é adormecedor!
Como não amar a vida simples do campo!
O dia começa antes do sol raiar. O vai e vem do povo que segue para a lida na roça, ou aqueles que seguem rumo à feira para negociar sua pequena, porém rica, produção. O galo desperta, o fogão à lenha estala nas primeiras chamas que aquecem uma chaleira d’água a borbulhar, não tanto quanto ferve de vida o sangue que corre nas veias.
Levemente a água escorre pelo coador de pano, deixando subir aquele delicioso aroma de um bom café coado no saco. Alguns ovos caipiras mexidos, uma macaxeira cozida, um beiju para completar. Frutas nativas dão o toque final ao banquete matinal. Estou pronto para começar mais um dia.
Bater de casa em casa, rever velhos amigos, trocar dedos de prosa rememorando tempos longínquos. Reservar um cantinho para aquela boa pinga, a qual não se faz desfeita; degustar um chibé com leve pintada de sal, pimenta e limão, acompanhado de uma deliciosa jabiraca, a nossa traíra seca, o bacalhau da Baixada Maranhense.
Mesmo diante da escassez, a vida no interior é vida compartilhada. Reparte-se o pouco que tem com o próximo, como no milagre da multiplicação dos pães. Lição que talvez falte a nós da cidade, cercados por muros altos da vaidade, envoltos em nossos egoísmos que não nos permite enxergar, além do próprio umbigo.
Conversa vai, conversa vem e o convite para uma rápida pescaria. O rio fica logo ali. Em meio a uma boa prosa, alguns se arriscam com varas e anzóis, enquanto outros, mais habilidosos, manejam tarrafas. Rapidamente o almoço está garantido. Hora de “consertar” o peixe.
O tempero é só sal e limão. Na brasa, frigideira ou cozido, tem para todos os gostos. Para acompanhar, um arroz novo com uma farinha d’água que acabou de sair do forno.
De tardinha o movimento parece se inverter. Retorna quem foi para roça, para feira ou trabalhar nas outras atividades. As casas exalam o cheirinho do café da tarde e do bolo de tapioca assando no forno à lenha.
A noite cai. Alguns preferem ficar em casa, em frente à televisão, assistindo, programas, novelas, quando de alguma forma se interligam com outras realidades. Outros irão para as portas colocar o papo em dia. Eu prefiro uma boa prosa em torno da fogueira de chão, como nos velhos tempos.
O calor é o combustível para as brincadeiras de roda, o pique-pega, amarelinha. Adultos e crianças, todos juntos, gerações diferentes compartilhando bons e alegres momentos.
Rememoro meus anos pueris e constato o quão enriquecedores são esses momentos. Não havia telas. Diante de um mar de inocência, só existia espaço para a alegria, o sorriso no rosto, a correria. Até o suor escorrer pelo corpo, pedindo mais um banho antes de dormir.
Amanhece. Hora de pegar estrada e voltar para a cidade. Um até logo a todos, na certeza de que logo regresso. Levo na memória cada aroma, gosto, sorriso, gesto, abraço. Carrego a marca do campesino, de uma vida simples e afortunada, em cada detalhe, na veia, no coração.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.