*Por Osmar Gomes dos Santos
DEMOCRACIA, um sistema criado pelo homem, a partir da organização social da qual pretende conclamar a participação de todos e todas para a construção do Estado-nação. Não existe nele perfeição, posto que construído pelo homem.
Certa vez um primeiro-ministro inglês disse que “a democracia é a pior forma de governo, à exceção das demais”. Seu nome era Winston Churchill, considerado um líder estadista e também conservador, o que torna mais interessante tal afirmação.
Trago esta constatação não para reverenciar Churchill, figura que considero controversa em certa medida, apesar da grande influência na política e economia do século XX. Mas apenas para reforçar que dentre todas, mesmo com seus erros e acertos, não há melhor regime do que o democrático.
Retomo ao pensamento inicial para dizer, que o livro da democracia, é construído cotidianamente, com seus traços sendo aprimorados a cada linha escrita. Espaços, vírgulas, parênteses, dois pontos, travessão, além de pontos de interrogação, exclamação e continuando, sempre continuando.Uma demarcação afirmativa é que a democracia denota uma característica peculiar: a marcha democrática é para frente, sem ponto final.
Nessa jornada, natural que percalços ocorram, alguns personagens funcionam como vilões e buscam deturpar o enredo com seus exércitos. Entretanto, como em um final feliz, a democracia há sempre de vencer.
Em sua completude, a obra tem recortes na mais pura “acepção da tragédia”, como visto no “teatro de horrores” que se instalou na Praça dos Três Poderes, coração da democracia, no último domingo (8). Um capítulo que vai na contramão do que propõe um Estado-nação, onde o povo é chamado a participar construtivamente.
Com camisas e bandeiras do Brasil, gritando palavras de “desordem”, algumas centenas de golpistas tentaram tomar o poder de assalto, fora da disputa democrática.
Nada mais que lobos em pele de cordeiro!
Em uma tarde, o respeito do Brasil no cenário internacional foi posto à prova. Estimativas iniciais apontam danos materiais que podem chegar ou mesmo passar dos R$ 20 milhões de reais, no entanto, os prejuízos morais e culturais fogem a qualquer base de cálculo. Portanto, incomensurável!
Obras seculares, muitas das quais remontam a história do Brasil, outras que denotavam a boa relação internacional. Convém destacar alguns princípios insculpidos no Art. 4º da Constituição Federal, que demarca a relação internacional pautada na defesa da paz, na solução pacífica dos conflitos, no repúdio ao terrorismo e na cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Pelo chão, obras de arte centenárias, únicas – patrimônios da humanidade – depredadas, molhadas, quebradas, rasgadas. Algumas como a que remetiam à atrocidade do holocausto, tal como seu povo durante a Segunda Guerra, foram dizimadas em golpe de insensatez com doses exageradas de totalitarismo.
Não se pode confundir liberdade de opinião e manifestação com libertinagem para suplantar a vontade da maioria. Não há democracia na resistência ao resultado legítimo, no ataque ao próximo, na depredação do patrimônio, nos atos de terrorismo praticados contra as instituições republicanas.
Autoridades deveriam ter agido com rigor e de forma prévia? Possível que sim, diante do conjunto de informações que se noticiou terem chegado a quem poderia agir de forma preventiva. Natural que uma “marcha” de milhares, que se articularam previamente com um propósito comum, não pode passar despercebida. Fica o alerta!
Lembro que há pouco mais de quatro anos usei este espaço para defender a reconciliação após a eleição de Jair Messias Bolsonaro, conclamando que diferenças ficassem para trás. Mais recentemente, agi de forma similar em relação à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
Qual a razão? Apenas para demarcar que é preciso aceitar o resultado do jogo democrático. Simples assim. O conflito, como dizia Georg Simmel, deve ser manifestado apenas no campo das ideias, posições antagônicas que disputam posições, enquanto adversários, jamais inimigos que precisam ser eliminados.
Não cabe mais regressar ao debate sobre escândalos de corrupção, rachadinhas, desvios de condutas de quaisquer que sejam os atores públicos para discutir o processo eleitoral. São esferas distintas. Neste último, cumpre destacar que, no Brasil, o jogo é dentro das quatro linhas, seguindo todos os princípios da administração pública.
A eficiente Justiça Eleitoral tem atuado em obediência e observância das normas e assegurado lisura no processo. Nunca é demais repetir, fazemos uso de modernas tecnologias e temos o mais ágil e transparente processo eleitoral do mundo, que garante a eleição de representantes de todas as vertentes políticas. O que é isso se não a expressão máxima da democracia representativa?
É natural que parte da população esteja insatisfeita, diante do turbilhão de acontecimentos políticos das últimas décadas. Todavia o regime democrático é posto justamente para que possamos debater com equilíbrio e inteligência na consecução dos melhores propósitos republicanos.
Encerro minha contribuição, mas ressalto que o livro da democracia segue aberto, com muitas páginas em branco a serem escritas por cada um de nós. Nessa missão, devemos ter cuidado, mantermos sob controle as paixões da alma, e utilizarmos nossa caneta como um instrumento que promova a paz e a integração social.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.