O Brasil é um país que possui um sistema de funcionamento deveras intrigante. Diferentemente de outras nações, não conseguimos, em regra, enxergar de forma macro e prevenir o desastre antes que ele aconteça.
Mesmo após a ocorrência de uma tragédia, as medidas adotadas surtem efeito de curto prazo e logo tudo volta como era antes. Aprender com a dor ainda não parece ser o caminho seguido diante dos desastres, especialmente os naturais.
Não é de hoje que o país sofre as consequências sazonais da força da natureza. Ventanias, temporais, alagamentos, deslizamentos, incêndios. Fatores que somados à negligência e ação humana são potencializados e fazem vítimas fatais.
O mais recente e triste episódio dessa sórdida trama da vida real aconteceu há uma semana, em Capitólio (MG), no Lago de Furnas. Uma enorme rocha, com fendas e trincas que há pelo menos uma década dava sinais de que sucumbiria, não resistiu à força da gravidade.
A descoberta de Izaac Newton, ainda no século XVII, conta-se que pela queda de uma maça em sua cabeça, trouxe para a humanidade a descoberta da Lei Gravitacional. Institui-se que há uma força que atrai os corpos entre si. Como a massa da Terra é muito superior aos demais corpos em sua superfície, tende a atraí-os para o seu centro.
Isso quer dizer, obviamente, que tudo que está “no alto” tende a cair, rolar, desabar. A matéria tende a acomodar-se na superfície terrena; afinal, aplica-se sobre todos os corpos a força implacável da gravidade.
O homem, ao intervir na natureza, modifica quadros e cenários, acelerando processos que poderiam levar milhares, milhões, de anos. Nessa intervenção, atua com um misto de alterar as propriedades do espaço ou se omitir diante de situações que acarretam riscos e poderão desencadear um trágico acontecimento.
Veja o caso da Boate Kiss, em Santa Maria (RS). O homem interveio no espaço, edificou uma casa de show, mas não previu (ou omitiu) os riscos . Espaço acanhado, pé direito baixo, material inflamável no teto, show pirotécnico onde não cabia. Fogo: sem saída de emergência, sem controle de incêndio e profissionais sem preparo para lidar com o acidente. Resultado: 242 mortes.
Em Mariana, 2015, o rompimento de uma barragem atingiu diretamente várias cidades e causou a morte de 19 pessoas, enquanto milhares de outras até hoje sofrem as consequências trazidas pelos rejeitos da mineração. A ganância, cujo foco apenas no lucro cega para os riscos, viria fazer novo estrago, também em Minas Gerais.
Brumadinho, 25 de janeiro de 2019, foi a data em que 270 vidas se olharam pela última vez, sorriram pela última vez, se abraçaram pela última vez. Novamente, uma barragem de rejeitos se rompeu, soterrando tudo que havia pela frente. As (possíveis) causas já foram amplamente divulgadas.
Ficou a pergunta que nunca calou, tampouco respondida adequadamente: por que instalações e até o refeitório para centenas de trabalhadores justamente no corredor que seria “lavado” pela lama em caso de rompimento?
Assim o Brasil vai, a cada nova estação chuvosa, contabilizando suas tragédias. Pais, mães, filhos, filhas, amigos e amigas se transformam em números frios estatísticos. Mas, para os que ficam, as feridas nunca saram ou deixam cicatrizes profundas por toda a vida.
O que chamou a atenção no episódio de Capitólio, assim como em tantas outras tragédias, é que, de alguma forma, elas foram “anunciadas”. A foto postada por um turista em 2012, por exemplo, que trazia a legenda “esta parede vai cair”, simplesmente foi ignorada. Quantas não são as tragédias antecipadamente publicadas neste momento?
O Brasil deveria seguir exemplos de países como Chile e Japão, que aprendem constantemente com suas tragédias. Um estudo recente sobre riscos de desastres naturais em vários países não trazem os citados dentre os 20 com maiores riscos de sofrerem com os efeitos dos desastres naturais.
Segundo o World Risk Report 2018 (Relatório de Risco Mundial), a razão é que esses países desenvolveram avançados sistemas de monitoramento, alerta e procedimentos a serem adotados, ampliando a capacidade de resposta positiva diante de terremotos, por exemplo. Os riscos e seus efeitos, mesmo quando inevitáveis, são minimizados.
O estudo aponta que a preparação é o caminho seguro e cita o exemplo como a Europa lidou recentemente com fortes ondas de calor. Os Países Baixos, antes Holanda, há séculos enfrenta de forma eficiente o problema de inundação em parte de seu território, que está abaixo do nível do mar.
Aqui, praticamente não lidamos com o “inevitável”: terremotos, tsunamis, tornados. Em sua grande maioria os eventos são previsíveis e passíveis de preparo para minimização dos efeitos colaterais.
Por essa razão temos plena capacidade, incluindo pessoas qualificadas, para fazer os estudos necessários em cada área, elaborarmos normas, aplicarmos as melhorias e fiscalizarmos com eficiência. Sim, é possível, principalmente para quem lida na linha de frente, prestando serviço em cada uma das atividades que podem vir a oferecer risco.
O que não podemos mais é sentar, lamentar, proferir discursos de mudança e depois cruzarmos os braços. A mudança de postura é urgente. O Brasil precisa romper com essa letargia que a cada ano faz milhares de vítimas e deixa centenas de famílias órfãs.
Osmar Gomes dos Santos. Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.