Em 2019, o Brasil tem a oportunidade de se reencontrar com um dos principais objetivos traçados há décadas, quando ousamos nos intitular “país do futuro”. No ano que ora se inicia, teremos profundas mudanças em nossa política, renovação dos quadros e a consolidação do que se convencionou chamar de combate à corrupção. Mais do que nunca, um ano para recolocar o país na roda do desenvolvimento capitaneado pela educação.
O tema é mais do que oportuno para iniciar o ano em um momento tão conturbado, marcado por uma crise ética e moral sem precedentes, cuja perda de valores gerou um contexto social em que o brasileiro quase desacreditou do futuro. E trato, aqui, não da educação como ensinamentos passados de pai para filho, mas daquela repassada na sala de aula, dentro do nosso sistema educacional.
A educação, ao longo de grande parte da nossa juvenil história, foi vista como uma ferramenta apenas para poucos e sem qualquer importância para os demais, que apenas exerciam atividades braçais. A concepção de educação como direito de todos somente surgiu na Constituição de 1934, que estabeleceu o dever dos poderes públicos e reservou especial papel da família no ensino, estendido a brasileiros e estrangeiros aqui domiciliados.
Na Constituição de 1946, a educação reaparece como direito de todos, mantendo-se o entendimento de ser disciplinada no lar e na escola. Já em 1969 essa universalização esteve expressa como princípio de unidade nacional, alinhada ao discurso do regime vigente à época, fundando-se, ainda, nos ideais de liberdade e solidariedade humana. O dever do Estado permanecia, mantendo-se, também, a responsabilidade da família com o ensino no lar.
Com o advento da Constituição Cidadã, de 1988, foi mantido o princípio de universalização da educação, ficando esta a cargo do Estado e da família, que, embora corresponsável, passa a atuar apenas na colaboração e não mais na função de doutrinar. A responsabilidade da família, na figura dos pais ou responsáveis, passa a ser complementar.
Podemos dizer, portanto, que foi somente a partir de 1934 que começou a existir a preocupação com a educação como ferramenta indispensável ao desenvolvimento da nação. Essa preocupação em muito se funda nos reflexos que a sociedade escravocrata deixou, mas que naquele momento era preciso a formação de mão-de-obra qualificada para as atividades que nasciam, em especial a industrial.
Na concepção do “direito de todos”, a educação passou a ser vista como um direito social, devendo ser resguardada pelo Estado como mantenedor do sistema de ensino. A responsabilidade solidária da família, como incentivadora e promotora de condições que permitam o acesso da criança e do jovem na escola, pode ser vista em outros normativos, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O cenário pós 1988 nos remete à compreensão de que a educação, embora dever legal do Estado na elaboração das diretrizes e organização do sistema, é responsabilidade de todos. Não poderia ser diferente, haja vista o impacto da educação em todas as áreas da vida e sua importância para o desenvolvimento e progresso da nação.
Daí decorre um avanço importante no dever de universalizar o ensino com a participação ativa de instituições da sociedade civil organizada, a exemplo de associações e entidades religiosas, na formação educacional equivalente à ofertada pelo Estado.
Com educação é possível combater a pobreza, melhorar as condições de saúde, garantir a sustentabilidade ambiental e promover a paz social. A educação dá autonomia e empoderamento, garantindo o acesso a direitos e tornando cada um consciente de seus deveres, fazendo com que nossa democracia seja consolidada e fortalecida.
Progredimos, pelo menos em tese, na universalização da educação. Mas ainda restam avanços significativos na prática para garantirmos que todos, indistintamente tenham, de fato, acesso à educação e o mais importante: que seja uma educação de qualidade, transformadora.
Educação se constitui como direito fundamental e essencial ao ser humano, conforme preconizado na Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional e na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. Por isso, não é digno querer fazer crer que avançamos no campo educacional apenas porque regras foram alteradas e pessoas que apenas desenham seus nomes foram excluídas dos dados do analfabetismo.
A questão é bem mais complexa, pois o analfabetismo funcional mascara um problema ainda mais grave, ao não possibilitar a ampla visão da realidade. É fato que saber é poder e a educação é o pré-requisito elementar para o desenvolvimento político e econômico, para a democracia e para a igualdade social que tanto almejamos.
Além do analfabetismo funcional, ainda temos milhões de crianças em idade escolar fora das instituições de ensino e uma geração de jovens, conhecida como “nem-nem”, que se encontra sem rumos, nem trabalha e nem estuda. Aí repousa outro grande desafio: o de aumentar o percentual de jovens de 18 a 24 anos no ensino superior, meta que segundo o Plano Nacional de Educação deverá ser dobrada até 2025, chegando a 34%.
É unanimidade entre especialistas que a educação está intimamente vinculada ao progresso da nação. Os chamados países de primeiro mundo já o fazem há séculos, enquanto outras nações que recentemente apostaram nessa receita começam a colher importantes frutos rumo ao desenvolvimento econômico e social, como é o caso da Coreia do Sul e mais recentemente a China, país com dimensões continentais e populacionais superiores às nossas, comprovando que é possível fazer.
O Brasil necessita retomar seu rumo estabelecendo um pacto federativo com o apoio da sociedade. União, Estados e Municípios, em todas as instâncias dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem desempenhar um esforço ainda maior para dar efetividade às normas estabelecidas no sentido de zelar pelo pleno direito à educação de qualidade. Importante destacar neste rol as responsabilidades da Defensoria Pública, do Ministério Público, dos Conselhos Tutelares e Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.
Ainda no bojo do desenvolvimento educacional, é preciso entender que a universalização deve garantir a inclusão de todos: preto, branco, pobre, rico, índio, deficiente. E deve possibilitar a formação de cidadãos não apenas técnicos, mas humanos no sentido pleno da garantia e respeito aos direitos das chamadas minorias ou dos menos favorecidos. Somente com uma educação transformadora, promotora de valores sociais baseados no respeito ao próximo, sairemos do estado de letargia social e avançaremos rumo ao tão sonhado futuro.
Osmar Gomes dos Santos
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.