Mais velha que o noivo, estrangeira, filha de pai branco e mãe negra, fez carreira como atriz, dona de opiniões fortes, divorciada, uma vida pessoal com pitadas de polêmicas. Gostem ou não, essa é a mulher que mexeu o mundo nas últimas semanas, uma norte-americana de 36 anos que atende pelo nome de Rachel Meghan Merkle, que disse o “sim” ao príncipe Harry no último dia 19.
Por envolver tantas particularidades de pessoas com perfis e mundos tão distintos é que o casamento entre o príncipe e “plebéias a” merece ser visto sob o prisma não apenas da moda, do requinte, dos tabloides de fofoca, dos ritos protocolares e cerimoniais. Mais que isso, ele merece uma análise sob a luz das mudanças sociais de nossa época.
Se por um lado Meghan foge aos padrões já vistos, rompendo a imagem serena e discreta que nos acostumamos a ver nos membros da realeza, por outro, mostra-se uma mulher em sintonia com seu tempo. Feminista, envolve-se em causas sexistas pela independência e empoderamento da mulher, além de ser protagonista de outras ações humanitárias, como a luta pelo acesso à água potável, na África.
Ela é embaixadora da ONG de ajuda humanitária World Vision e porta-voz das Nações Unidas para igualdade de direito das mulheres. Denuncia desigualdades e luta por pessoas comuns. Sobre os bastidoresi de sua vida, nada há porque atirar a primeira pedra. Tal como os outros seres “humanos”, ela teve seus problemas, viveu frustrações, trabalha, luta pelo que acredita, chora, sorri, como qualquer pessoa de carne e osso, de sangue vermelho.
Meghan é notadamente uma afrodescendente, agora no seio da família real mais conservadora e tradicional do mundo. O fato de receber críticas é porque muitos hipócritas de plantão não aceitam tal ascensão de alguém com seu perfil. Afrodescendente? Sim, como todos nós! Afinal, não dizem respeitados estudiosos que todos nós temos um “pezinho” na África.
A duquesa de Sussex, título que acabou de herdar, vem para romper com o preconceito de classe, de cor, dos laços de sangue tradicionais que por séculos sufocaram amores e paixões promissoras. Que o diga o também inglês, poeta e dramaturgo, Shakespeare, ao reproduzir tão fascinante retrato de tantos amores proibidos encarnados nos personagens de Romeu e Julieta.
Hoje, a noiva real nos permite um outro patamar de discussão sobre atitudes incoerentes de uma tradição hipócrita e machista, que, por vezes, ainda teimamos em carregar. Uma sociedade que subjuga os mais fracos, que pormenoriza o papel da mulher e que não fomenta o respeito entre seus comuns.
Também é importante destacar que a forma como a Família Real abraçou a união é atitude a ser louvada. Um tapa na cara do cinismo e dos preconceitos que ainda insistem em emoldurar a conduta de alguns. Ao mesmo tempo sinaliza a abertura rumo a um mundo que evolui, que se amolda aos costumes trazidos pela modernidade e que aponta para a inserção do princípio global da igualdade entre as pessoas.
Apesar das muitas polêmicas que cercaram e que ainda possam cercar, o episódio vem para fortalecer a máxima de que sob o céu não há melhor ou pior. Pretos, pardos, brancos, amarelos, somos todos uma única raça: a humana.
Meghan não é a mulher que responde ao perfil que tempos atrás era o esperado para a noiva de um príncipe pertencente a uma das casas reais mais tradicionais do mundo. A chegada de Merkle à família real causa uma revolução não só na corte britânica, como também em um mundo de ilusões, estereótipos e preconceitos.
Será uma nova Lady Diana? O tempo dirá. Mas ao que parece não pretende mudar sua conduta, nem poderia. Um trabalho pela igualdade, pelo empoderamento da mulher e pelos necessitados não pode ser abandonado.
Esse é, por sinal, o papel que se espera da mulher no século XXI: autêntica, idealizadora e que não foge à luta. Que toda submissão fique para trás, da mesma forma que viramos uma página, que tantas outras folhas em branco de otimismo possam ser escritas.