No esteira de reformas essenciais à modernização da estrutura do Estado brasileiro, a reforma administrativa ganha notoriedade com o envio da proposta, pelo Executivo, ao Congresso. O documento elenca diversas mudanças na esfera pública e impacta diretamente as relações futuras de trabalho dos entes federados – União, Estados e Municípios – com seu quadro de servidores.
Não pretendo aqui tecer criticas, sejam elas contra ou a favor à Proposta de Emenda Constitucional. Quero apenas trazer alguns pontos do projeto, que já começaram a ser debatidos em diversas frentes de defesa do funcionalismo público. Mas já adianto que a pretensão é alcançar apenas os futuros servidores, não interferindo nos direitos adquiridos dos quase 10 milhões que desempenham suas funções atualmente.
Embora não alcance todas as carreiras, o projeto prevê acabar com a tão almejada estabilidade, um dos grandes atrativos do serviço público, que faz milhões de pessoas dedicarem horas a fio de estudos visando a uma aprovação em concurso. Pelo texto, permaneceriam estáveis os servidores de carreiras típicas de Estado (que só existem na administração pública). Uma lei a ser enviada posteriormente listará quais serão essas carreiras.
Com a reforma, o governo pretende por fim ao chamado “Regime Jurídico Único”, que estabelece como regra geral que todo servidor público é estável no cargo para o qual foi aprovado em concurso público de ampla concorrência. Assim, o servidor só pode ser exonerado (demitido) após condenação com trânsito em julgado, aquela sobre a qual não cabe mais recurso, ou, ainda, se transgredir normas disciplinares.
Hoje, servidores estatutários da administração direta, autárquica e fundacional gozam de estabilidade após três anos de efetivo exercício, desde que aprovados em estágio probatório e nas avaliações de desempenho. Se aprovadas, as mudanças criarão um ambiente em que coexistirão as regras antigas e as novas, bem como estabelecerão diferenciação para os novos detentores dos cargos públicos, de acordo com o cargo a ser ocupado.
Isso porque além daquelas carreiras essencialmente de Estado, com estabilidade, a proposta prevê um segundo grupo, composto por servidores concursados, mas com contratos de duração indeterminada, cujos integrantes poderiam ser demitidos quando houver necessidade de contenção no orçamento; um terceiro grupo, formado por funcionários temporários em caso de excepcional interesse público, que seria submetido à seleção simplificada.
O quarto grupo, cujos integrantes formariam um escalão de liderança e assessoramento, com vínculos temporários e passariam por seleção simples. Por fim, no quinto grupo, com ingresso exclusivo mediante concurso, estariam aqueles servidores em período de experiência, antes que candidatos ingressem pela via do cargo típico de Estado ou no prazo indeterminado, haveria um tempo de espécie de estágio probatório.
No texto, existe a limitação a trinta dias de férias por ano; redução da jornada com consequente redução da remuneração; exclusão de promoções ou progressões apenas por tempo de serviço; proibição de incorporação de ganhos por ocupação de cargo em comissão à remuneração permanente; fim da aposentadoria compulsória como forma de punição.
Decerto o que o governo quer, e de fato precisa, é abrir margem para o teto de gastos com outras despesas, algumas delas essenciais. Esse teto, atualmente, já alcança 94% com as despesas obrigatórias. Nesse sentido, o Executivo também quer abrir caminho para facilitar os processos de privatização de estatais.
As propostas do governo são muitas, como em outros pacotes, a ideia parece ser a de apresentar um projeto com bastante “gordura” para o Congresso queimar. É exatamente o que deve acontecer nas próximas semanas na Câmara e no Senado. As alterações e os debates no parlamento deve desidratar o projeto do Executivo, a fim de adequá-lo à realidade. Um modelo, digamos, mais enxuto.
Apesar das alterações que a PEC está sujeita a sofrer, o presidente da Câmara já anunciou que a Casa também deverá adotar medidas de reestruturação, o que poderá incluir a manutenção por mais tempo de novos servidores, alterações no sistema de avaliação e também nas especificações de diversos cargos. Rodrigo Maia parece, assim, sinalizar favorável à necessidade da reforma, mas já antecipou que cada poder tem prerrogativa de apresentar suas propostas.
Caso aprovada, a emenda ainda precisará de um conjunto de leis para ser operacionalizada em sua plenitude. Gestão de desempenho, consolidação de cargos, funções e gratificações, diretrizes de carreiras, modernização das formas de trabalho, ajustes no Estatuto do Servidor, entre outras.
O momento é propício e ganha força frente ao atual contexto. Fato é que o Brasil precisa avançar nos debates, fazer suas reformas estruturantes e continuar a oferecer à sociedade um serviço público de excelência, tal como apregoa a Constituição Federal. Isso porque do outro lado dos balcões está um povo que anseia por melhores serviços em todas as áreas, além da geração de emprego e renda. Cabe ao Estado o fomento das condições necessárias ao atendimento dessa demanda.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras