*por Osmar Gomes dos Santos
Nas últimas semanas assistimos atônitos casos de ofensas racistas que a nós chegaram por meio de noticiários e redes sociais. Situações vistas em jogos do Campeonato Brasileiro e das copas Sulamericana e Libertadores são estarrecedoras.
Comportamentos que colocam o ser humano na posição mais baixa na escala evolutiva. Não aquele contra quem a ofensa é cometida, mas aquele qualificado como autor da afronta.
Racismo não pode ser tomado como uma brincadeira, sequer de mal gosto. Tirar sarro de outro em razão de sua cor não está nas regras do desporto, seja ele encarado profissionalmente ou como mero lazer.
Xingamentos tomaram conta das redes sociais e das arquibancadas. O espaço que deveria servir para o bom embate de posições, de uso para incentivar o seu time na busca da vitória, serviu como palco para cenas deploráveis.
Arremessos de bananas, imitação de gestos comuns aos macacos, xingamentos racistas. Tudo dentro de uma arena esportiva que deveria servir a um único objetivo, tendo o futebol como eixo central.
Os casos que trago aqui aconteceram na Argentina, em jogos de times brasileiros contra o River Plate e o Boca Juniors. Lá, apenas 0,4% da população se declara afrodescendente, o que enfraquece as políticas públicas de combate ao racismo.
A própria Constituição “Hermana” estabelece que o governo federal deve priorizar a imigração europeia, como uma espécie de política de priorização da pele clara. Assim, o debate do racismo corre à margem da sociedade.
Apesar de toda repercussão, fatos se sucederam dia após dia durante algumas semanas. Torcedores identificados, chamados à delegacia, pagaram o equivalente a alguns reais e já estavam nas ruas a rir da situação que provocara. Inaceitável.
Por outro lado, os casos agitaram os bastidores das entidades que representam o futebol sulamericano. Várias confederações, dentre elas a Conmebol e CBF anunciaram medidas mais duras e imediatas para reprimir atos racistas. Além do clube, penas mais duras contra a prática, que, infelizmente, não chega a ser crime em todos os países.
A Conmebol já anunciou o aumento de valores das multas para 100 mil dólares, cerca de meio milhão de reais. A CBF prometeu punições mais severas para a temporada 2023, o que pode incluir com perda de pontos aplicada ao time cujo torcedor ou jogador venha a cometer ato racista.
Embora manifestado nas arenas esportivas, o racismo é, na verdade, um comportamento social. No estádio, ele apenas manifesta aquilo que parte da sociedade ainda guarda consigo como uma herança cultural.
Na mesma semana em que o fato ocorreu em estádio argentino, tivemos um caso de grande repercussão no Brasil, em que uma defensora pública aposentada xingou um motorista de entregas, de macaco. Basta!
Chamar alguém de macaco não é um mero xingamento. É crime de racismo. Ofende o moral de quem é vítima. Mas ao mesmo tempo coloca o agressor como um ser humano ultrapassado em sua pequenez.
O pensamento retrógrado, que remete a reprodução de um comportamento do século XIX, em que pessoas de cor eram vistas como inferiores. Onde essas pessoas que continuam a agredir ficaram na escala de evolução? Em que época elas ficaram estacionadas?
São em manifestação como essas – do estádio de futebol, que constitui uma arena pública – que boa parte dos cidadãos mostram sua identidade e reproduzem ao mundo a imagem de um país atrasado.
Vale destacar que os crimes cometidos na Argentina não podem ser classificados como de xenofobia, mas de racismo. Foram propositada e intencionalmente direcionadas a pessoas de cor, de pele parda ou preta e não porque eram brasileiros.
Não apenas o Brasil, mas a América do Sul também é negra, construída com a força de trabalho de africanos que para cá vieram realizar trabalhos forçados. Muitas das angústias e problemas sociais vividos lá são também os de cá.
Mesmo que em nações distintas, somos, ou deveríamos ser, um só povo. Unidos sob a bandeira da esperança, do respeito e da fraternidade. Retardamos, mas ainda é tempo de rompermos com as amarras que nos prendem a uma formação de base colonialista, sob a lógica da exploração e da segregação entre comuns.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.