Gostaria de poder neste espaço em branco rabiscar apenas belos poemas e retrato de um mundo idílico no qual tudo é possível. Mas infelizmente os fatos da vida real que se sucedem me impõem a busca da reflexão e a ampliação do diálogo.
Há algumas semanas venho analisando alguns acontecimentos e, inquieto, pergunto-me de forma insistente: para onde estamos caminhando? Que rumo adotamos a partir de atos tão bárbaros cometidos gratuitamente? Não falo de forma particular, razão pela qual não pretendo me ater a um caso em especial. Convido o leitor que me acompanha semanalmente para que possa, também, fazer um autoexame de consciência acerca do cotidiano para que esse diálogo possa ter ressonância.
Neta articula o assassinato da avó, saca dinheiro da pensão e faz uma festa; rapaz flagra a namorada dormindo ao lado do cunhado após festa e, tomado pela fúria, mata os dois; mulher é assassinada porque denunciou agressão do marido; jovens planejam e executam um bárbaro plano para matar alunos de uma escola; o assaltante que não satisfeito em levar os pertences, dispara a queima-roupa contra a indefesa vítima; jovem em depressão passa uma corda no pescoço e põe fim à própria vida. Em comum? A crueldade na sua essência mais pura.
Acontecimentos dessa estirpe têm me tirado o sono ultimamente, muito mais do que o trabalho é capaz de me consumir. Não posso conceber, por exemplo, um pai enterrar um filho, uma filha. Não é a ordem natural das coisas.
Naturalmente que a violência não é de agora, está no cerne da nossa evolução. Na antiguidade, povos brigavam entre si pela disputa de terras; estados se digladiavam por riquezas além-mar; nações mediam forças por disputas de mercado e poder frente a um modelo global. Condutas estas que, apesar de reprováveis, tinham um pano de fundo, que, em alguns casos, remetia à própria sobrevivência dos povos.
Em contrapartida, o que se assiste nos dias atuais é uma violência desenfreada, sem limites, e totalmente gratuita. Não têm justificativas. Somos os únicos seres dotados de racionalidade e, paradoxalmente, os únicos dispostos a matar o próximo por motivos fúteis e com altas doses de crueldade. Mesmo estando a anos-luz daquela época em que nos digladiávamos, parece estarmos ainda afundados em nossa barbárie existencial.
Daí que penso como tema central dessa minha reflexão a forma como os pais vêm educando os filhos. Chego a uma infeliz conclusão de que estamos falhando nessa missão. Na vã tentativa de sermos melhores que nossos pais e avós, caímos no engano de querer satisfazer todas as necessidades de nossa prole com bens materiais que a nós não estavam acessíveis.
Há também aqueles pais que trabalham muito e simplesmente não encontram tempo para nada, embora sempre haja espaço para as postagens das redes sociais. Eximem-se da culpa de sua ausência em razão da puxada rotina e buscam suprir tal lacuna com quinquilharias materiais que não conquistam nem confiança nem o amor.
Antes de apontar para as tragédias da vida privada, mas que a todos já interessam, devíamos parar e analisar quais caminhos estamos sedimentando para nossos filhos. Debater com os vizinhos, com a escola, com a família é uma forma de traçar uma caminhada segura e equilibrada. Para o bem social, não podemos permitir que toda uma geração cresça cheia de um vazio existencial que a direciona para a tomada de atitudes extremistas.
E não falo permitir sob a ótica da imposição, mas da educação, embora não seja eu um pedagogo. No entanto, não consigo internalizar a ideia de educar sem dar limites, sem dizer não. Crianças e adolescentes precisam de regras para crescerem em comunhão com a sociedade que os cerca. Há um mundo fora dos computadores e tablets que merece ser explorado.
A escola tem seu papel, é fato. O corpo diretivo deve atuar para inibir práticas como bullying, racismo e preconceito, atuando na promoção do conhecimento e maior integração. Mas a escola somente não é capaz de formar o cidadão. Incutir nos jovens que eles são detentores de direitos, mas que os deveres não podem e não devem ser negligenciados na relação com o próximo é papel de todos e, fundamentalmente, das famílias.
Mais do que qualquer outra instituição é dos pais, da família, o compromisso de estar sempre presente, compartilhar do dia-a-dia, acompanhar o desenvolvimento na escola, praticar atividades esportivas, assistir bons filmes juntos. Está aí um atalho para conquistar a confiança que se precisa.
Daí por diante é repassar ensinamentos de que o mundo funciona de forma sistêmica, onde nossos atos implicam em consequências. Criar, desde cedo, senso de responsabilidade é tarefa árdua, mas necessária. Ensinar a amar, ter compaixão, ser generoso e colaborativo ajuda a derrubar os muros que aprisionam os jovens em calabouços sombrios.
Os jovens estarão mais propensos a reproduzir na fase adulta aquilo que absorveu da sua família quando criança. Não se pode esperar uma pessoa afetuosa, honesta, gentil, respeitadora e que zela pelo bem comum, se esses valores morais e éticos não estiveram presentes em sua formação. Nesse ponto, ouso dizer que, com raras exceções, a matemática social é exata e traz um ingrediente rousseauniano.
Assim, a violência vista aos quatro cantos do país também está na conta de cada um de nós. Naturalmente, não se exclui a responsabilidade do Estado, que é vital na manutenção da paz social, mas a segurança, tal como dito em nossa Carta Magna, é dever de todos. Portanto, cabe a todos repassar às gerações futuras os valores capazes de reedificar uma sociedade justa e igualitária.
Longe das ficções – onde brigamos contra alienígenas, máquinas e até dinossauros pela nossa sobrevivência –, na vida real o único que pode pôr em risco a espécie humana está diante do próprio espelho. Não sei por onde nos perdemos nesse tortuoso desafio, mas é preciso que encontremos urgentemente um atalho que nos leve de volta ao caminho da paz.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís; Membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.