*Por Osmar Gomes dos Santos
Há três orações famosas que nos deparamos ao cruzar uma passagem de nível, que é o cruzamento de uma via veicular com uma linha férrea: pare, olhe e escute. Sintagmas que podem significar apenas uma mera sinalização de trânsito, mas que metaforicamente remetem a muitas reflexões.
Passamos por uma pandemia que afetou a todos nós. Adoecemos, perdemos amigos e entes queridos. Vimos o filme de nossas vidas passar diante de nossos olhos, com o medo da morte que rondava nossas casas. Superamos, mas saímos de certo modo afoitos do drama humanitário que nos tomou a liberdade e nos enclausurou física e psicologicamente.
Aceleramos nossas relações virtuais. Com a boom tecnológico jamais visto, voltamos mais os nossos olhares para as telas e passamos a projetar uma vida virtual, tanto a social, quanto a laboral. Mas o tão esperado fim da pandemia parece ter tido um efeito reverso, uma vez que estávamos todos ansiosos para retomar a rotina, os contatos, diminuir as distâncias impostas. Sempre com a promessa de melhoras.
O ano de 2022 trouxe de volta essa tal normalidade. Rapidamente queríamos estar nas ruas, praças, praias, shoppings , cinemas. Sorríamos para tudo, bom dia para todos. No entanto, ao que parece, o aperto no coração passou, a saudade se esvaiu, a vontade de estar junto se foi. Ao cabo, continuamos os mesmos.
Outro dia falávamos de amor ao próximo, de humanidade, de fraternidade, de se doar, de construir uma sociedade melhor. Ao primeiro momento que temos essa oportunidade, no entanto, não colocamos em prática algo tão essencial e que, de certo modo, manteve acesa nossa esperança na vida.
Parafraseando uma canção, digo que vivíamos esperando dias melhores. Dias de paz, dias a mais, dias que não deixaríamos para trás. O dia em que seríamos melhores, no amor, na dor. Melhores em tudo. O dia chegou, não há dúvidas, e oportunidade passa a nossa frente.
Depois dos abraços, apertos de mãos, das aglomerações, voltamos a viver na companhia do outro, mas ainda mais sós do que antes. Um paradoxo! Vamos novamente nos deixando levar pelo modismo rotineiro de uma vida frenética, a qual fomos nos deixando acostumar. Construimos muros que nos separam, em vez de pontes que nos conectam.
Tudo passou! Quero, agora, me voltar para dentro do meu mundo, onde me encontro com meu “eu”, longe do outro e onde encontro a proteção que me convém. Um mundo que só deixo revelar pelos filtros das redes sociais, no qual o outro não tem vez. Entusiasmado, entre um “clique” e outro, posto uma foto ao lado de um cartão postal. Esbanjo atributos narcisistas de uma vida plena e feliz, enquanto, do outro lado do mesmo monumento, ignoro alguém que mendiga um pão para matar sua fome.
Dessa forma temos nos conduzido, muitas vezes de forma quase inócua, sem que atentemos para nossos atos. Apenas vamos nos deixando levar pelas seduções que nos convidam a todo instante estarmos imersos no país de Alice. Enquanto isso, a vida real passa debaixo de nossos olhos. Um processo de “autoabdução”.
Nosso ego inflado grita tão alto que não nos deixa ouvir à nossa volta. Ficamos presos apenas à própria voz, que a todo instante trava embates na luta por uma autoafirmação. Jogamos holofotes aos nossos louros, mesmo que sejam eles apenas fictícios, enquanto enterramos as imperfeições que deveriam nos fazer humanos.
Diante desse frenesi, um pouco de silêncio! Só precisamos de um pouco de silêncio e uma porção de reflexão para voltarmos um pouquinho, dois anos, talvez menos.
Iniciamos um novo ano, uma nova etapa e novas oportunidades de sermos e fazermos melhor do que outrora. Menos lentes, poses e filtros. Um pouco mais de contato, de empatia, de afeto.
Para não corremos o risco de sermos atropelados pelo nosso próprio ego, precisamos, por mais trivial que pareça, parar, olhar e escutar.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.