Por Osmar Gomes dos Santos
O assunto não é uma novidade e os dados não são desta semana. Guardava algumas dessas informações para momento oportuno, diante de tantos assuntos que se sobrepõem diariamente.
Tenho minha veia poética, vez por outra me pego a dedilhar nas cordas de meu pensamento o lirismo que só o coração me faz enxergar. Mas também preciso ver a vida com olhar de Nelson Rodrigues, do Osmar, do filho da Enseada Grande, apesar do nome, constitui o pequeno povoado no município de Cajari – MA.
Olhar os carmas sociais é uma forma de me manter vivo; alerta às questões do outro, as quais me afetam, porque me importo. É minha sensibilidade à flor da pele.
Como ser humano, acho descabidos diversos rumos que escolhem para suas vidas ou dos caminhos que tal vida lhes impõe, sem opções de escolha.
Falo daquelas pessoas que “moram nas ruas”, porém, obviamente, não podemos chamar de lar um ambiente que se mostra hostil e revela uma das faces mais perversas da humanidade. Anônimas, invisíveis, entregues à própria sorte.
Afetadas por problemas diversos, agravados pela crise da covid-19, que lhes arrancou empregos e em muitos casos, mais que isso, pessoas passaram a vagar, sem rumo, sem um teto, sem perspectivas. Problema recorrente nas grandes capitais, agora ampliado no pós-pandemia.
Há poucas semanas, assistia a uma reportagem que falava do aumento dos que moram nas ruas, de 24% na cidade de São Paulo, outros 6,3% no Rio de Janeiro, seguida de 5,3% em Belo Horizonte. Algumas poucas dessas pessoas têm acesso a algum benefício social, como os 40% da capital paulista. A maioria é composta de homens, 88%, e, como já se podia esperar, a cor revela outra face do problema e reforça o racismo estrutural, a discriminação e a falta de acesso a políticas públicas que possibilitem às pessoas “de cor” preta a devida inclusão e ascensão; 68% das pessoas são negras.
Algumas dessas pessoas estão sós, perderam tudo. Outras estão em família, inteiras, sem teto, sem perspectiva. Jogadas à própria sorte, precisando driblar os desafios da triste realidade que as cerca: violência, prostituição, drogas, doenças, fome.
*O que era incomum nas ruas de nossa capital uma ou duas décadas atrás, mostra-se corriqueiro nos dias atuais. Percebo o aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade nos becos e vielas de nossa São Luís quando trafego pela cidade ou fazemos a entrega de quentinhas, ação social realizada uma vez por mês, com um grupo de amigos.
São pessoas, homens e mulheres, várias idades, infinitas histórias. Vidas de altos e baixos. Seres humanos que têm pouco para chamar de seu, muitas das quais até mesmo a dignidade já não lhes compete.
O carro chega, a fila se forma, o sorriso aparece, a esperança renasce. Uma a uma, de forma ordeira, cada pessoa aguarda sua vez. Ao entregar a comida e água, tocamos as mãos gélidas do frio noturno, ao mesmo tempo que sentimos o calor que emana de um coração cheio de gratidão.
Recebem seus alimentos, na incerteza do amanhã e deixam seu olhar de esperança por dias melhores a fuzilar nossos corações. Ressalto que esta situação não é para ser romantizada, tampouco ser transformada em enredo poético para comover corações. Essas pessoas não precisam da comoção, seja da sociedade ou mesmo das autoridades. Como ensinam as Sagradas Escrituras, a fé sem obra é morta. Em nossa triste e cruel realidade, eu diria que sensibilidade sem ação, venha de onde vier, é mera hipocrisia.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.