*Por Osmar Gomes dos Santos
No Brasil parece que tudo gira, de fato, em torno do velho e bom Carnaval. Há até ditado que diz: o ano começa depois do Carnaval. Essa pseudodependência cultural está encravada nos costumes e tradições e permeiam até mesmo as promessas.
Muito do que acontece no país acontece em função da folia de Momo, que parece predominar sobre agendas importantíssimas, sendo estas preteridas. A folia é um divisor de águas e influencia até mesmo calendários oficiais. Isso é fato e reflete, também, na vida pessoal de milhares.
Depois do Carnaval começo a academia, retomo os estudos, paro de beber, início da tão esperada dieta, por alguns réveillons adiada. Seguimos dividindo nossas promessas para o ano novo, mais especificamente para depois do Carnaval, na maioria dos casos.
Essa reflexão devaneia sobre a festa religiosa me veio à memória ao realizar um voo e reviver quase todo o rigor das medidas de prevenção à Covid. Senti-me transportado para 2 anos atrás. Diante do Brasil de hoje, parecia estarmos, eu e todos aqueles passageiros, em um mundo paralelo.
No aeroporto, já a partir da área de embarque o uso obrigatório de máscaras, estendendo-se por todo o voo, até o desembarque completo. Estabeleci uma espécie de paralelismo, uma boa dose de reflexão paradoxal com a festividade profana.
Parei e pensei em como algumas regras são feitas no Brasil. Para ingressar e permanecer na zona de embarque do aeroporto precisa de máscara. Para adentrar a aeronave e viajar, máscara. Mas para entrar no “corredor” da folia, no minúsculo metro quadrado dividido por um número quase incontável de foliões, tá tudo liberado: aglomerar, abraçar, pular, beijar.
Seria o vírus da Covid seletivo, não estaria ele disposto a se travestir de Colombina e Arlequim? Naturalmente não, vimos isso no início da pandemia. O resultado foi um surto da doença que, valendo-se da insensatez e da omissão de alguns, alcançou rapidamente todo o território nacional.
Não sou contra a folia, tampouco faço coro para às avessas da diversão. Apenas não entendo o rigor que há em alguns ambientes em detrimento de outros, públicos e que propiciam e até promovem a aglomeração.
O Carnaval é importante, mas logo vai passar. Se há esse perigo iminente rondando a nação, posto que exige protocolos sanitários na aviação, questiono se já há um plano de contingência para depois da folia.
Hospitais, profissionais, leitos, remédios, vacinas? Não sou e nem pretendo parecer pessimista. Mas me parece lógico que se há um risco é preciso um plano de ação para caso o pior aconteça. Já subestimamos a Covid uma vez, preferimos a folia em vez da precaução. Já a classificamos como uma gripizinha, um resfriadinho, coisa de marica. O país pagou um preço alto.
Penso que chegou a hora de se despir das fantasias dos contrasensos que nos impedem de sermos encarados como um país mais sério. Há que se pensar se não seria necessário deixar cair a máscara da incoerência.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.