*Por Osmar Gomes dos Santos
Tomamos a semana para falar de Antônio Gonçalves Dias. Resolvi então escrever esta singela crônica e prometi que não começaria ou usaria a expressão: “se estivesse vivo completaria 200 anos”, pois percebi que há um sentido duplo. Ora, por óbvio, ninguém vive 200 anos. Portanto, não seria adequado do ponto de vista da própria natureza humana, utilizar tal expressão, a não ser por mera retórica para referenciar um espaço de tempo decorrido.
Noutra perspectiva, caberia tal expressão a Gonçalves Dias pela sua importância, como alguém que transcende essa tal razão.?
Se for essa uma afirmação, diria ser falha; se uma pergunta, a resposta seria não!
Vejo que estaria demasiadamente equivocado o emprego da expressão para referir ao notório poeta romântico. Mesmo com todos os seus feitos, o emprego do verbo no futuro do pretérito “completaria” demonstra total descompasso com sua grandeza.
Isso porque estaria insistindo em tratar este poeta como alguém que foi, que não está mais aqui, que já não é. Essa definição não cabe, definitivamente, a Gonçalves Dias e a nenhum outro poeta.
E não falo isso, pelo fato de ser patrono da Academia Brasileira de Letras – ABL em cuja cadeira de nº 15, fora eternizado. Sua imortalidade enquanto poeta transcende àquela literária e atravessa gerações como uma eternidade de fato.
Como poeta, professor, jornalista, advogado, etnógrafo e teatrólogo, concebeu, fundou, criou e aprimorou o Romantismo com traços notadamente nacionais. Trouxe lirismo peculiar ao índio, criando laços de identidade nacional na sua obra.
Tamanha destreza e habilidade literárias, contrastadas com a própria infância conturbada, como filho de um comerciante português e uma mestiça. Filho de Caxias – MA, cidade cantada por João do Vale no trem que viajou de Teresina para São Luís, terra natal que deixou, com tantos outros valores que se exilaram noutros países por circunstâncias das mais diversas, especialmente políticas.
O exílio, que é sinônimo de solidão, Gonçalves Dias teceu e fez canção, escrita em 1.843, que neste 2023 completa 180 anos. Dos índios extraiu a essência, a pureza, a ingenuidade. Mas também a força de um legítimo representante da identidade de um povo.
Vivendo na pele um personagem de contos românticos, sofreu as agruras do amor não consentido; tamanha discriminação de uma sociedade racista, tão somente, devido à cor de sua pele. Restando a ele dizer: “Ainda Uma Vez — Adeus!”.
Aos 41 anos, ao regressar da Europa em tratamento de saúde, tropeçou no trágico destino com o naufrágio do navio Ville de Boulogne, no qual viajava. No Farol de Itacolomi, região da costa maranhense, o poeta deu seu último suspiro.
Ironicamente próximo a um farol, o que Gonçalves Dias segue a ser para cada um de nós ainda hoje. Daí porque não devemos falar em futuro do pretérito, tampouco em passado, para alguém que atravessa gerações, tão vivo e tão intenso quanto um farol a nos guiar.
Foi o que deveríamos ser: crítico e consciente de seu dever enquanto cidadão e intelectual, nos mais diversos papeis que exerceu. Seus temas seguem vivos: amor, identidade nacional, patriotismo, indigenismo e natureza.
Em semana de Cúpula da Amazônia e de dia Internacional de Povos Indígenas, sua luta deveria servir a nos inspirar e igualmente lutar pela proteção de nossa identidade, dos povos originários, de nossa riqueza e cultura peculiar.
Que não seja um canto de morte, mas que seja tal I-Juca Pirama um brado estridente, do filho das selvas, bravo e forte. De um grito que vença as barreiras do exílio e que nos traga de volta a adorar nossa terra, onde tem palmeiras e onde ainda canta o sabiá.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.