Por Osmar Gomes dos Santos
No Brasil algumas coisas parecem passar despercebidas, até que a situação seja noticiada, seja pelos veículos de imprensa, na nobre missão de informar, ou por cidadãos “comuns”, em um contexto cada vez mais midiatizado.
Rapidamente, assuntos ganham notoriedade com uma velocidade incrível. Os motivos são diversos: a gravidade, a dimensão, os impactos, a ordem do dia, os envolvidos. Como ingredientes desse enredo estão crimes, desastres, omissões por parte de pessoas nos mais variados escalões da organização.
Revisitava algumas leituras sobre crise na última semana e relembrando minha trajetória como servidor público, que sou até hoje. Ao se falar de gestão, seja ela pública ou privada, não se pode ignorar o fato de que a crise ocorrerá a qualquer momento.
Sim, ocorrerá. Do “verbo” vai acontecer, no tempo futuro que remete a uma certeza presente. Essa certeza é que faz o gestor vigilante, atento aos acontecimentos e sempre revisando seu plano de contingência.
Um gestor ávido e perspicaz está permanentemente a revisar seus protocolos, na expectativa que algo fora do planejado aconteça. Desejo? Não! Ninguém quer passar por situações complicadas, mas é preciso estar preparado para elas.
Em contrapartida, aquele que subestima os sinais, a ciência, a técnica, o conhecimento, a importância de processos, os protocolos, o investimento em segurança em favor de aferir mais lucro, está fadado a enfrentar graves crises.
Não é a proposta falar de crise aqui. É que tal leitura me despertou o olhar para acontecimentos recentes, deste século, nos quais a prudência, a atuação preventiva e mesmo a reativa, pautada em um plano de ação, poderia ter salvado milhares de vidas.
Região Serrana do Rio de Janeiro, Morro do Bumba, Boate Kiss, Mariana, Brumadinho, Yanomâmis. São situações que tiveram grande repercussão em razão das consequências, mas as causas já estavam lá. Quem as ignorou?
Porque não temos a capacidade de aprimorar o comportamento pautado na atuação preventiva? Deslizamentos, alagamentos, incêndios, contaminação. São desastres cujos prenúncios se acumulam, mas muitas vezes são ignorados.
Age-se no após. Mutirões, forças-tarefas, liberação de recursos, envio de profissionais especialistas, providências urgentes, coletivas de imprensa, discurso retórico de apuração, providências, apoio, solução (quase nunca definitiva).
Os Yanomâmis não chegaram a essa condição de um dia para o outro. Em que pese tenha se agravado nos últimos anos, a situação dos índios no Brasil é grave faz tempo. A intolerância cresce em segmentos que privilegiam o ódio, a separação, em detrimento da pluralidade e fraternidade. Quem está acompanhando este movimento?
Nossa cultura parece ter compelido a um comportamento reativo. Na esfera pública, por exemplo, o estar à frente para resolver o problema parece ser mais importante do que agir para evitar que ele aconteça. Impossibilidade de previsão ou a lógica do não valer a pena investir em saneamento?
É necessário mudar a conduta do agir para dar respostas, sempre no calor dos acontecimentos e sob luzes dos holofotes. No Brasil, os exemplos são aos milhares.
Sobre o crônico e histórico problema do garimpo na Amazônia Legal, adota-se a solução de fechar o espaço aéreo. Como cidadão, fico a me questionar sobre a efetividade dessa medida, uma vez traficantes e contrabandistas burlam diariamente os mecanismos de monitoramento daquela região.
O paradoxo visto, na verdade, é que o vazio da floresta parece não ter fim. Território sem lei, como costumam dizer aqueles que por lá residem. Ausência de lei em um Estado positivado?
É assim nas florestas, nos cinturões e bolsões de pobreza, nas encostas, tal qual o é na terra ressequida e rachada da estiagem sertaneja. O ápice da crise denota um fator estrutural que a precedeu. É como a ponta do iceberg, o problema é mais profundo.
No trágico roteiro do mal que impera quando o bem não faz sua parte, acumulamos negligência e omissão que, cada vez mais, vêm custando recursos ambientais, a cultura, a história, a vida, milhares delas.
Ocupações irregulares crescendo sistematicamente, atividades ilegais sem fiscalização, alertas negligenciados formam um quadro de omissão cujo desfecho, infelizmente, tende a gerar novas tragédias, ambientais ou humanitárias, ou as duas juntas.
Ainda sobre a Terra Yanomâmi, a assistência urge. Mas não pode vir como paliativo, um simples remédio que se toma no dia seguinte. É preciso efetividade e responsabilização em um crime que se reinventa no Brasil, especialmente nas fronteiras sem vigilância.
O trem parece ter descarrilado, mas resta tempo de coloca-lo nos trilhos. Como há muito defendo, a partir de uma discussão séria sobre todas as importantes pautas, necessitamos de um projeto de país e adoção de ações concretas capazes de alterar positivamente a ordem social.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.