*Por Osmar Gomes dos Santos
Desde muito cedo, aprendemos a organizar a vida em ciclos, como quem tenta dar sentido ao tempo para seguir adiante. Segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos. Transformamos a passagem de um ano em rito, em pausa coletiva para encerrar histórias e abrir outras.
Chega o tempo das festas. O Natal, o Réveillon, as confraternizações. Dias em que a mesa se torna lugar de afeto, mesmo quando simples ou incompleta. É quando tentamos dividir o que temos com quem amamos.
Reunimos familiares e amigos, celebramos presenças, sentimos ausências. A saudade se senta conosco à mesa, mas não rouba o sentido do encontro. A comida, preparada com receitas que atravessam gerações, carrega mais do que sabor: memória, cuidado, afeto e amor.
Paramos para observar as crianças correndo pela casa, rindo alto, improvisando brinquedos, reinventando o mundo com a leveza que só a infância conhece. Elas nos lembram do que fomos, das traquinagens, da inocência ainda cultivada.
Há, também, o ritual do Amigo Oculto – essa pequena confusão coletiva, que nos faz refletir sobre o outro. Nem sempre sabemos o que dar, fazemos um enorme esforço e nem sempre acertamos.
Da mesma forma, recebemos aqueles tradicionais pares de meias, às vezes gravatas, algo singelo, mas cheio de significado. Porque não importa preço, mas o valor simbólico do gesto, o significado de celebrarmos a existência do outro.
Celebrar é, antes de tudo, um exercício de humanidade. E isso se torna ainda mais profundo quando lembramos que há pouco tempo vivíamos apartados, isolados, atravessando uma pandemia que expôs nossas fragilidades, mas também nossa capacidade de cuidar, resistir e recomeçar.
Estamos vivos. E isso, por si só, já é motivo de celebração.
Mais do que comemorar, é tempo de agradecer. Fechamos um ciclo e abrimos outro, cheios de desejos, metas e promessas. Algumas renascem, outras são resgatadas de debaixo do tapete. Criar rituais é parte da nossa necessidade de acreditar que o amanhã pode ser melhor.
Que os desejos se renovem e que, ao nos sentarmos à mesa para cear, possamos agradecer mais do que pedir. Olhar para o lado, exercer empatia e compaixão. Entender que ninguém atravessa a vida só e que a autossuficiência é apenas palavra de nosso rico vocabulário, mas pobre e vazia de significado.
Somos e vivemos pelo outro, como dizia Madre Teresa. Por isso, é preciso desenvolver o respeito e a tolerância. Compreender que tudo em nossa vida está conectado: o presente que compramos, a comida preparada, e mesa farta, os amigos presentes. Tudo, sinônimo de “um todo”, só se revela pleno de significado quando junto.
Em uma nação em que a partilha ainda é privilégio de poucos, que o novo ciclo possa, ainda, despertar em nós o verdadeiro sentido da gratidão. Mais que uma palavra, seja ela um hábito, um comportamento.
Agradecer pelas mãos estendidas, pelos encontros possíveis, pela saúde, pela oportunidade de levantar a cada dia. A meia-noite, as páginas de nossas vidas serão viradas e novas linhas em branco estarão. Como pretende viver este novo ciclo?
Osmar Gomes dos Santos é Juiz de Direito na Comarca da Ilha de São Luís (MA).
Membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas, da ALMA – Academia Literária do Maranhão e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras.




