*Por Osmar Gomes dos Santos
Estou com o corpo exausto e a mente cansada. Ponho-me em repouso, adormeço. O subconsciente passa a falar por mim, por uma jornada de devaneios e uma sucessão de acontecimentos abruptos, conectados ou não.
Ao mesmo tempo, tudo parecia tão real que podia sentir a brisa, o cheiro, o toque, a emoção em ver tantas coisas boas acontecendo. Não havia guerra, discórdia ou disputas que buscassem eliminar o adversário, que se limitava aos jogos esportivos. No resto, tudo fluía para o bem comum.
Pensei, parece que estou em um sonho, porém, não um sonho qualquer, mas àquele de Aristóteles, cuja felicidade era o destino final das ações humanas. O ideal que atravessou gerações e influenciou correntes de pensamento.
Assistia televisão, ouvia rádio, acessava o smartphone e folheava alguns poucos títulos de revista que ainda temos em papel. Em todos esses canais, via um país justo, com políticas públicas alcançando, em plenitude, para cada cidadão e cidadã.
No trânsito, peguei uma carona, com um simpático motorista; passei por algumas avenidas, por onde não presenciei pessoas ao telefone enquanto dirigiam e motoristas que a todo instante eram tolerantes e generosos uns com os outros. Pessoas conhecedoras e seguidoras do ordenamento jurídico. Paravam educadamente na faixa de pedestre.
Tudo fluindo em uma harmonia sinfônica, de uma cidade organizada. Ruas, avenidas e estradas faziam um convite ao passeio seguro e não ofereciam surpresas dos solavancos repentinos.
Passei por algumas casas de saúde e senti-me em êxtase com a qualidade dos prédios e organização. Lembrei-me, então, da reportagem que havia assistidos em alguns takes anteriores, perdidos em sonhos passados. Não havia filas, os leitos sobravam, o atendimento era personalizado e não faltavam equipamentos ou medicamentos. Ajudava o sistema de saúde, inclusive, o fato da população estar bem alimentada, pois havia emprego em abundância e alimento em fartura na mesa de todas as famílias.
E se a família é um pilar de uma sociedade equilibrada, podemos dizer que a educação, certamente, constitui uma outra base importante. E como funcionam bem os estabelecimentos educacionais, da creche ao ensino superior.
Em todos os rincões deste Brasil, podíamos ver a educação transformando positivamente a vida das pessoas. Estrutura, merenda, apoio pedagógico, direcionamento profissional. Isso formava uma população cada vez mais consciente de seu dever cívico, agindo para com o próximo sempre com respeito.
Todos os setores funcionavam perfeitamente, seguindo a precisão de um mecanismo suíço que marca as horas. Por vezes, não foram poucas, deixei meu carro em casa e preferi o transporte público, dada à qualidade dos ônibus, trens, metrôs, BRTs.
Conversávamos sobre esse cotidiano, inclusive nas calçadas, ao anoitecer. Aos fins de semana, avançávamos pela madrugada batendo bons papos, dando boas risadas. Não havia preocupação, quiçá, qualquer perigo que pudesse nos alcançar. Na vizinhança, alguns dormiam de janelas abertas.
Em uma dessas noites, tomado pelo cansaço, acabei por pegar no sono. De repente, fui surpreendido pelo meu neto, pulando sobre a cama.
Levanto, ainda atordoado e pensando em tudo aquilo que acabara de relatar. Ligo a televisão. Tiroteio na Avenida Brasil, assalto, pessoas trancadas em suas residências, escolas sem estruturas, bairros sem saneamento (o básico).
Mudo de canal, pois imaginava estar ocorrendo algo fora da realidade. Deparei-me com problemas na saúde, brigas no trânsito, assaltos nas portas das residências, greve no transporte público em razão das precárias condições.
Desligo a TV, peço licença aos meus familiares, volto aos meus aposentos e deito novamente. Caindo na real, pego-me a refletir: era tudo um sonho!
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.