*Por Osmar Gomes dos Santos
Embora, a princípio, a decisão da Meta de suspender a ferramenta de checagem de fatos em suas plataformas de redes sociais esteja limitada aos Estados Unidos e não atinja imediatamente o Brasil, ela gerou debates importantes. Esses debates ultrapassaram as fronteiras brasileiras, alcançando países da América Latina e da Europa, onde diversos setores da sociedade manifestaram preocupação com os riscos que essa medida representa para a democracia global.
Ao contrário do que alguns defendem, a checagem de fatos não constitui censura prévia, como muitos tentam fazer crer. Especialmente nas democracias ocidentais, modelo que melhor conhecemos pela proximidade, existem inúmeros mecanismos de controle para assegurar o funcionamento adequado das instituições. Um exemplo claro é o controle preventivo, amplamente adotado em nossa sociedade.
Esse controle pode ser exercido por diversos órgãos, comissões e até pela própria sociedade. É algo que vai além das leis e está profundamente enraizado em nossa cultura. Afinal, quem sai de casa e deixa a porta aberta, correndo o risco de sofrer um furto e ter seus bens levados?
Por isso, não parece válido o argumento daqueles que dizem: “deixem publicar e falar o que quiserem; se algo estiver fora das normas, o responsável será punido conforme a lei.” Essa abordagem não é adequada, especialmente considerando a rapidez e o alcance potencial das redes sociais.
Ainda no exemplo da casa, embora existam leis que criminalizam o furto e o roubo, ninguém deseja que essas situações ocorram para só depois buscar responsabilização e reparação. Em vez disso, agimos preventivamente para proteger o que é valioso. No caso das redes sociais, o bem maior a ser protegido é a democracia, que há algum tempo vem mostrando sinais de fragilidade, inclusive por meio de representantes eleitos conforme as próprias regras democráticas.
Sabe-se amplamente que a internet não é uma “terra de ninguém” ou um espaço sem lei. Pelo contrário, as plataformas digitais apenas ampliam nossas interações, e as mesmas normas éticas e sociais que regem a convivência no mundo físico devem valer também no ambiente digital.
Antes da suspensão, a checagem de fatos funcionava por meio de uma estrutura composta por empresas, entidades da sociedade civil e mecanismos internos da própria Meta, que avaliavam o que seria ou não publicado. Esse trabalho era certificado e orientado por princípios técnicos, e não político-ideológicos, seguindo diretrizes da Rede Internacional de Checagem de Fatos, uma aliança global com sede nos Estados Unidos. Entre as mais de 80 organizações participantes, em mais de 60 idiomas, estavam agências renomadas como Reuters, France Presse e Associated Press.
De acordo com a Meta, os esforços agora serão concentrados em publicações consideradas de maior gravidade. Porém, lembro-me das palavras da minha mãe: “Mentira é mentira, não importa o tamanho.” E sabemos que até mesmo uma mentira aparentemente inofensiva pode causar grandes danos.
Com o fim da checagem, analistas apontam um risco elevado de aumento da desinformação, por meio de mensagens falsas e discursos de ódio. Esses conteúdos podem ser mascarados sob o pretexto de uma suposta flexibilidade, que, na prática, não será suficiente para conter todas as publicações perigosas.
Espera-se que as publicações sejam disseminadas livremente e só sejam analisadas caso sejam denunciadas pelos próprios usuários da plataforma. Ou seja, a Meta optou por priorizar a remediação em vez da prevenção.
É fundamental alertar que, disfarçadas de publicações inofensivas, podem surgir manifestações graves, como pedofilia, assédio, discriminação, racismo e xenofobia. Além disso, há o risco de distorções de fatos políticos e informações que podem impactar negativamente todos os setores da sociedade, incluindo a economia.
Essa questão vai além da lógica binária que organiza nossas vidas, como verdade e mentira, certo e errado, homem e mulher, permitido e proibido. Afinal, o que é a verdade? Muitos poderiam questionar.
O fato é que precisamos de regras éticas e morais que orientem a conduta e a convivência, tal como acontece nas salas de cinema, nas bibliotecas, nas filas de mercado, no trânsito e em outros ambientes onde nos relacionamos. Essas regras existem para o bem comum da sociedade.
Se já era desafiador lidar com um ambiente tão permeado por desinformação e fake news, o cenário agora parece ainda mais grave, o que reforça a necessidade de regulamentar as redes sociais. É preciso esclarecer, no entanto, que não se trata de controlar os meios, mas de estabelecer, assim como no convívio social, regras de conduta claras, que sejam respeitadas por todos.
Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas; ALMA – Academia Literária do Maranhão e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.