Após o advento das Constituições modernas se percebeu as garantias do estado de não culpabilidade àquele que se encontrava na condição de acusado. Assim, a CF/88 instituiu que a presunção da inocência tem como base o pensamento de que o sujeito tem o direito de não ser considerado culpado sem que haja a sentença judicial com transito em julgado.
Vale destacar que a presunção da inocência, estabelece a atividade estatal necessária para a apuração do cometimento do delito. Assim, até que se prove a materialidade do delito e se comprove que o acusado foi o autor, não pode haver condenação e não pode haver a aplicação antecipada da pena.
A presunção da inocência se mostra como um meio de garantia que favorece a tutela dos inocentes, mesmo que isso custe a impunidade de algum culpado. Assim, nesses termos a presunção de inocência norteia a instrução probatória, devolve à acusação o ônus da prova da culpa e ainda postula a defesa social protegendo e resguardando o individuo da arbitrariedade estatal.
Neste sentido Beto (2017, p.53) aponta que ao observar a presunção da inocência nos mais variados ordenamentos jurídicos, pode-se perceber que em cada uma das legislações a presunção da inocência, ou, a não culpabilidade, apresenta diferentes pontos de vista e consequências.
Vários países, como Portugal (Constituição de 1976) Espanha (Constituição de 1978) e até a Colômbia (Constituição de 1991) se percebe o compromisso que tais países tiveram com a presunção da inocência do acusado, estabelecendo como o princípio de forma expressa.
Já no Brasil, assim como na Itália já houve uma forma mais tênue de demonstrar a presunção da inocência. Para estas legislações, não se trata de presumir a inocência, mas uma não culpabilidade em que se agrega ao acusado no decurso do processo e que geralmente é efetivada após a definitiva condenação.
Bento (2017, p. 77) relata que a forma como o Texto Magno adotou acerca da presunção de inocência demonstra “falta de compromisso em dimensionar os limites e os alcances desse princípio, bem como garantir um processo célere”.
Sobre o exposto o que se encontra são opiniões diversas na doutrina nacional acerca da dessemelhança entre a presunção de inocência e a não culpabilidade, com base na maior ou menor expressividade de cada um desses princípios nas mais diversas constituições. É oportuno destacar que essa diferença pauta inúmeras discussões se o Brasil adota, de fato, uma presunção de inocência; ou se adota a não culpabilidade.
Por mais que se pense que ambos dizem respeito aos mesmos aspectos acerca dos direitos do acusado, isso não se traduz na realidade. A dúvida suscitada geralmente paira sobre a interpretação fria da letra, a interpretação gramatical, pois o art. 5º, LVII, não consta expressamente a “presunção da inocência”, ou seja, o individuo não é presumidamente inocente, mas sim, segundo o caput do referido artigo que o individuo, “não é considerado culpado”.
A discussão acerca da presunção da inocência e da não culpabilidade surgiu após a ditadura militar, com o retorno do presidente ao poder. Nesse período, editou-se a Emenda Constitucional nº 25, e esta solicitava que o Congresso Nacional elaborasse um novo texto Constitucional, e no decorrer da construção dos projetos que viriam a se tornar o texto efetivo, surgiu a questão da presunção da inocência, esta foi exposta no Artigo 47 do Projeto Afonso Arinos, e instituía que: “presume-se inocente todo acusado até que haja declaração judicial de sua culpa”. Contudo, o projeto foi arquivado, mas balizou outros textos legislativos anteriores à Constituição Federal de 1988.
Posteriormente surgiu a Emenda nº1P11998-7, elaborada pelo Senador José Ignácio Ferreira, que propôs a presunção da inocência com os moldes da não culpabilidade. Esta forma de se perceber o estado de inocência ganhou notoriedade e posteriormente foi aprovada passando a ser inserida no texto da CF/88.
Enfim, justificou-se a supressão do termo presunção de inocência e a substituição do termo “não culpabilidade”, por que a expressão “presunção da inocência” se mostrou doutrinariamente criticada, foram muitas as criticas a cerca do termo. Assim, o senador, assegurou claramente que somente adotou o termo não culpabilidade para evitar críticas e discussões, mas que a garantia era a mesma: – assegurar que o individuo tenha os seus direitos resguardados, principalmente de não ser considerado culpado antes da efetivação da sentença.
Assim, apesar da “não culpabilidade” brasileira absorver os moldes trabalhados na Constituição Italiana, isto não significou que a legislação brasileira abarcou também o caráter técnico-jurídico daquele país, apesar de ambos utilizarem o termo “não culpabilidade”, o contexto das duas legislações se mostram completamente diferentes.
Sobre tal assertiva Moraes (2010, p. 222) apresenta substancial diferença entre a questão da Não Culpabilidade no Brasil e na Espanha:
Enquanto no Brasil o texto que primou pelo uso da não culpabilidade em relação à presunção de inocência, foi apenas uma questão de escolha linguística e gramática. Na Itália a não culpabilidade ocorreu devido o pensamento técnico positivista da escola fascista. Enfim, na Itália, muito ao contrário, os debates constitucionais de 1947 buscaram um consenso, admitindo-se a manutenção da fórmula fascista, tanto material quanto formalmente.
Sobre a não culpabilidade e a presunção da inocência, e as discussões que permeiam estes termos, Mirabete (2006, p. 43) expõe que:
Melhor é dizer-se que se trata do princípio da não culpabilidade. Por isso, a nossa Constituição Federal não presume a inocência, mas declara que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória […] Pode-se dizer que existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade no momento da instauração da ação penal, que é uma espécie de ataque á inocência do acusado e, se não a destrói, a põe em incerteza até a prolação da sentença definitiva.
De modo geral, no Brasil a discussão em torno da não culpabilidade e da presunção de inocência não ganha tanta magnitude, pois estes institutos são tratados como sinônimos. A divergência histórica foi apenas uma questão de linguística e essas duas fórmulas são compreendidas do mesmo jeito.
Nesse sentido, não há espaços para discussões como, acreditar que existe um meio termo jurídico, como se houvesse três situações: a culpa, a inocência e a não culpa. Apesar da utilização do termo não culpabilidade o país acolhe a interpretação da presunção de inocência e isso é latente quando se verifica no texto constitucional o seu fundamento pautado na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) e como garantia fundamental o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). Enfim, essa a conclusão, pois além do texto constitucional o País aderiu cartas internacionais que previram expressamente a presunção de inocência, e não a regra de não culpabilidade.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.