*Por Osmar Gomes dos Santos
Hábito é uma ação humana capaz de retratar um comportamento padrão, repetido quase sem intenção, de forma automática, até se incorporar à rotina. Embora estabeleçam padrões, os hábitos mudam e moldam o comportamento social.
Os bons tempos de escola, dos estudos em grupo, das peladas de bola nas ruas, das brincadeiras com amigos. As datas consideradas sagradas para as reuniões em família, o passatempo da boa conversa no portão com os vizinhos.
Esses hábitos já não se encontram com frequência entre nós. Ainda tentamos resistir às mudanças, vistas como estranhas aos costumes da época. Classificávamos tudo como passageiro: “logo vai virar modismo e tudo seguirá como é”, dizíamos.
De repente, ao olhar 20 ou 30 anos pelo retrovisor, percebemos o quanto mudamos e como hábitos antes considerados esquisitos se tornaram comuns ao cotidiano.
Substituímos instrumentos como a agenda e o relógio pelo smartphone. O rito da escolha de filmes de 12, 24 ou 36 poses, criado para valorizar cada retrato a ser revelado, ficou no passado.
A fotografia digital extinguiu os filmes e, por consequência, aqueles momentos quase únicos reservados a datas especiais ao longo do ano. Agora, tudo está ao alcance da mão. Cliques sem a intenção de eternizar momentos, apenas registrar o que logo se torna descartável.
Espaços destinados a experiências únicas transformaram-se em lugares obrigatoriamente “instagramáveis”. A foto da comida, da cerveja gelada, do café, do lazer, do happy hour ou do encontro romântico precisa ser compartilhada.
O smartphone tornou-se extensão do corpo e da mente. Ele dita o ritmo da vida ao som das notificações, mensagens, curtidas e comentários. Tudo cabe nele: compromissos, trabalho, estudos, relacionamentos.
Relações, por sinal, permanecem na palma da mão, mas distantes dos olhares, do calor e do afago. Aos poucos, moldamos um novo jeito de fazer amizades e, talvez, alteramos o significado dessa palavra.
Trouxemos a mesa de trabalho para o canto da sala e fizemos do pijama a farda do home office, negociando o silêncio com a turma da casa e até com o cachorro. Checamos e-mails enquanto o feijão pega pressão e ajustamos planilhas durante o preparo do frango na panela.
Mudamos hábitos de consumo sem tocar, sentir ou cheirar. A experiência de compra tornou-se virtual. Com cliques rápidos e o deslizar do dedo, visitamos departamentos, procuramos produtos, enchemos o carrinho e finalizamos a compra. Economizar com “achadinhos” virou esporte; a ansiedade fica por conta da entrega.
Alteramos o vocabulário diário com palavras e siglas muitas vezes pouco compreendidas, mas plenamente utilizadas: link, nuvem, streaming, cashback, pix etc. O pix, ao lado de outros formatos eletrônicos, quase aboliu as cédulas de papel.
Na era da “gourmetização” de tudo, vale refletir sobre quantas coisas ganharam versão estrangeira. Tudo capitaneado por uma estética de rede social, com ar de modernidade. O hobPor e a academia deixaram de ser distração para se tornarem performance. Gostando ou não, é preciso fazer bem, postar e, quem sabe, monetizar.
Até o tempo, antes desfrutado sem pressa, em boas companhias e atividades simples, passou a ser explorado ao máximo, sob a lógica de que “tempo é dinheiro, é resultado”. Tudo é urgente. A espera perdeu espaço e, com ela, a paciência.
Viramos escritores, editores, roteiristas, fotógrafos e cinegrafistas. Produzimos conteúdo. Cursos rápidos e tutoriais, às vezes instrutivos, outras vezes vazios, estimulam a ousadia: consertar, fazer, improvisar, cozinhar. Ah, tudo isso, com a “ajuda” imprescindível
das IAs! Todavia, esta temática, será uma outra crônica!
No fundo, não houve mudança repentina. Fomos nos transformando aos poucos, quase sem perceber. Adaptamo-nos gradualmente, alteramos hábitos, construímos outros e antecipamos aquilo aprendido a chamar de tendências.
Um hábito substituiu outro, uma facilidade virou necessidade, uma exceção virou regra. O incomum tornou-se cotidiano, e assim as coisas entram em um sistema de sucessão.
Com as “trends”, seguimos sedimentando o terreno daquilo que juramos jamais incorporar à vida. Acelerados, conectados e adaptados, mal percebemos que, a todo instante, vivemos o improvável.
*Osmar Gomes dos Santos é juiz de Direito na Comarca da Ilha de São Luís (MA) e membro das Academias Ludovicense de Letras, Maranhense de Letras Jurídicas, da ALMA – Academia Literária do Maranhão e da AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras.
