Na última semana uma notícia vinda do governo federal abalou a estrutura econômica e política do país. Alternativa para substituir o Programa Bolsa Família, do governo federal, o Renda Cidadã ainda nem nasceu e já trouxe consigo o tom polêmico que tem a marca da gestão que o apresenta. Desta vez, a reação ficou por conta do uso do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de precatórios para custear o auxílio.
Criado pela Emenda Constitucional Nº 53/2006, o Fundeb foi regulamentado no ano seguinte, por meio da Lei Nº 11.494/2007 e Decreto Nº 6.253/2007. Ele veio para substituir o antigo Fundef e esse recurso deve, obrigatoriamente, ser aplicado na educação básica.
Vinculado à educação, no Art. 212 da Constituição Federal, o Fundeb é formado, na quase totalidade, por recursos provenientes dos impostos e transferências dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, daí sua natureza contábil e de âmbito estadual. Parte do recurso pode ser complementada com verbas federais, quando o valor por aluno não atinge o piso definido nacionalmente.
Não há, portanto, que se cogitar em desviar recursos desse Fundo tão essencial para uso em outras causas, por mais nobre que sejam. Ademais, em um país, entendo que nenhuma causa deve ser mais nobre do que a da educação, única ferramenta que pode sedimentar caminhos que transformarão positivamente a nação.
O Bolsa Família vem cumprindo bem seu papel ao longo dos anos. Uma evolução advinda de um grupo de medidas assistenciais instituídas pelo governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, em meados da década de 1990, fora ampliado e aperfeiçoado na era PT, consolidando-se como uma fonte de receita segura para garantir renda mensal a milhões de brasileiros.
É natural que um governo, em qualquer esfera, queira imprimir sua marca, referência de um trabalho no qual acredita. O que não se pode, chegando a ser inaceitável, é querer “reinventar a roda” e, na mesma medida esdrúxula, tentar construir “puxadinhos” levando a acreditar que essa mesma roda se manterá girando de forma permanente e no mesmo ritmo.
Não bastasse querer meter o bedelho em algo tão fundamental, que é o Fundeb, o governo propôs, ainda, utilizar recursos dos precatórios, que são valores devidos pela Fazenda pública ao credor em razão de ações judiciais perdidas e já transitadas em julgado. Com pinceladas finais, estava pronta mais uma obra de arte da trágica série de “caneladas”, cujos traços inconfundíveis marcam um governo que parece insistir em não querer se encontrar.
Como sobredito, a reação foi imediata. A bolsa de valores, termômetro para o mercado, despencou por dois dias seguidos. O setor político também elevou o tom, com bancadas inteiras criticando a forma como estava se tratando uma séria política pública com arranjos duvidosos. O debate das “pedaladas”, mesma razão que derrubou a ex-presidente Dilma Roussef, voltou a dominar o noticiário.
Precatórios atinge diretamente a confiança de credores e investidores externos, abalando as estruturas de mercado e gerando temeridade quanto à capacidade do governo federal de honrar seus compromissos. Daí porque a reação em cadeia.
No cerne dessa atitude do mercado, a desconfiança em um governo que dá sinais de não poder, ou não querer, honrar seus compromissos. O mercado gira em torno também da credibilidade nas organizações públicas e privadas e o recado dado não angariou a confiança de ninguém. Para tudo! Volta atrás! Não era bem isso que queríamos dizer! Fomos mal interpretados!
Como em um passe de mágica, voltam atrás, (re))constroem discursos, como se tudo fosse voltar ao normal. A mesma rapidez com que desmoronam a própria credibilidade é utilizada para forjar versões que notadamente não se alinham com aquilo que está publicado e ao alcance de quem quiser ver e ouvir.
A forma desastrosa como algumas atitudes são tomadas me faz lembrar de uma época cujo modelo econômico não deixou saudade e que resultou no confisco da poupança de milhões de brasileiros. “É, não deu. Sentemos à mesa e voltemos buscar uma nova alternativa, pois essa não colou. Quem dá as cartas agora? Opa, passo!”.
É dominante no pensamento da classe política e mesmo a própria sociedade quanto à necessidade de ajustar e melhorar um programa social cuja finalidade é o combate à pobreza extrema, garantindo condições mínimas de vida a milhões de brasileiros. Propor adequações no sentido de melhorar o Bolsa Família é, sem dúvida, uma atitude que merece aplausos, independente de cores partidárias.
O que não se pode é mexer naquilo que hoje está sedimentado, propor um ajuste para cima e logo adiante não ter condições de honrar compromissos. Melhorar a renda e a realidade daquelas pessoas que dependem dos repasses mensais do poder público é medida a ser elogiada, mas a sua execução não pode acontecer a “toque de caixa”.
A receita deve ser permanente, sem costuras ou arranjinhos. Aqui não cabe o velho jeitinho brasileiro. Nada de contabilidade criativa ou pedaladas para maquiar balanços e garantir o custeio de programas.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.