*Por Osmar Gomes dos Santos
Há muito se fala em democracia. Desde os tempos antigos, a forma de governo é vista como aquela cujas decisões são compartilhadas pelo povo. No entanto, nem lá, o “povo”, no sentido amplo da palavra, era aquele que efetivamente participava das decisões. Muitos eram os “excluídos” do processo.
Esquecida no intervalo de tempo denominado de “Idade Média”, as suas práticas já não eram compartilhadas nos sistemas de governos centralizadores do sistema feudal. Com o advento da racionalidade, que ganha força com o movimento iluminista e conceitos de modernidade, a partir do século XVI, um novo terreno começa a ser sedimentado.
Embora a transformação ainda tenha levado alguns séculos, e entendam alguns ainda não ter sido concretizada, a democracia sempre despertou acaloradas e apaixonadas discussões.
Na ótica moderna, é conceituada no dicionário como uma “forma de governo em que a soberania é exercida pelo povo, sendo o sistema de governo em que cada cidadão tem sua participação”.
Essa proposta, na prática, não é assim tão fácil de ser tirada do papel. Como já dito, nem mesmo na antiga Grécia era a democracia a vontade direta de todos. Apenas para exemplificar, imaginem 220 milhões de brasileiros tendo que discutir cada política pública e deliberar sobre cada ação governamental.
Qualquer tentativa de governar restaria inviável e fadada a debates intermináveis até que cada um pudesse se manifestar. Daí advém o conceito de democracia representativa, na qual os cidadãos escolhem seus representantes para agirem em favor da coletividade.
Essa representatividade, nas sociedades pós-industriais, teria evoluído para um modelo de grupos, ao que a ciência social atribuiu o conceito de poliarquia. Não se confunda com oligarquia.
Na poliarquia as eleições são livres, justas e frequentes. Embora há quem defenda que o controle recai sobre uma elite política dominante, o processo de escolha de representação se dá mediante o sufrágio, pela livre consciência dos votantes.
Em regra, fundados em uma carta constitucional, os preceitos democráticos moldam o comportamento social de uma nação dentro de um dado período de sua história. Direitos e garantias insculpidos na constituição terminam por moldar posições assumidas na vida em sociedade.
Fato é que a complexa dinâmica social, em qualquer parte do globo, torna o exercício de uma plena democracia um desafio aos poderes públicos que conduzem a nação. Advindo a necessidade de imposição de limites à atuação particular, que não deve atentar contra as instituições que firmam a base da democracia.
Perfeita? Não haverá essa democracia em parte alguma no mundo. Mais próxima do ideal participativo? Essa é a proposta que se busca construir no período que vivemos, que se convencionou chamar de pós-modernidade.
Já há em muitos países o debate sobre uma democracia consensual, com caráter mais inclusivo. Rompendo-se a binaridade racional, abrem-se espaços de discussão para os mais diversos segmentos sociais.
Esse novo formato tem contribuído para edificar cartas constitucionais originais, não inspiradas em modelos importados, mas voltadas para realidades concretas locais. Equador e Bolívia podem ser tomados de exemplo.
Embora a democracia ainda não tenha trazido todas as soluções possíveis a uma nação, não há que se falar em outra forma de governo. É necessário, por outro lado, um exercício permanente na construção de um modelo que atenda aos ideais da nação.
Considerar suas particularidades, retomar suas raízes, valorizar a identidade nacional. Preservar os recursos naturais como seres detentores de direito. Abrir possibilidades de participação plural, com a edificação de espaços de fala abertos a todos e todas.
Uma democracia de todas as bandeiras, fundada no respeito entre aqueles que as levantam. É preciso pensar caminhos possíveis, que consideram as particularidades sem necessariamente fragmentar direitos assegurados à coletividade. É possível? Sim. Pode ser concretizado? O desafio está lançado.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.