Sempre que posso busco me colocar de forma equilibrada em minhas análises acerca da atuação do outro ou de instituições. Isso porque não sou, tampouco pretendo ser, dono de verdade qualquer. Na qualidade de escritor, cumpre-me o papel de analisar, fazer a leitura nas páginas da vida, nos acontecimentos cotidianos e transportá-las ao papel. Vez por outra, naturalmente, dosada de idiossincrasia, por que não?
Nesse mister, eis que me deparo com um acontecimento que “roubou” a cena política e judiciária da semana e tomou conta do noticiário: a prisão de um deputado, após mandado expedido por um ministro do Supremo Tribunal Federal. Juristas aquilatados se manifestaram, a favor ou contra, utilizando dos mais diversos argumentos.
A mim, na qualidade de também magistrado, não compete fazer qualquer análise, crítica ou “julgamento” acerca das decisões tomadas por outrem. Quando muito, reservo-me a comentar sobre as minhas, se assim for para o bem do interesse coletivo, a fim de elucidar procedimentos adotados no curso do processo.
Quero, noutra via, trazer à baila o debate que é necessário no país, que gira em torno do necessário respeito e decoro para com as instituições, algumas seculares, democraticamente constituídas. O sistema de freios e contrapesos pensado por Montesquieu e posteriormente aprimorado, não pretende qualquer intervenção direta de membros de um poder sobre outros, mas um caminhar equilibrado e institucional, em razão da atuação de membros no pleno exercício de suas funções.
A intervenção de um poder no outro jamais pode ser aceita dentro do regime do Estado democrático de Direito. Mas, para aqueles que entendem poder haver essa “interferência”, uma atuação de um sobre o outro, penso que seja dentro dos limites institucionais, conforme prerrogativas reservadas a cada uma das instituições e obediente a devida previsão legal.
Assim, decretos do Executivo podem ser derrubados no Congresso; projetos de lei podem ter partes vetadas pelo chefe do Executivo; e o Judiciário pode interpretar normas que impactem nos outros dois poderes. Tudo dentro da normalidade e da legítima ordem constitucional que rege a nação brasileira.
O que não cabe, sendo desmedido e inaceitável, é a afronta gratuita e desrespeitosa que alguns avocam o direito individual e exclusivo, porém imaginário, de possuir. Atacar membros de uma instituição por causa de convicções pessoais não se mostra razoável ou equilibrado. É inaceitável, sob qualquer pretexto, o ataque de um membro de um poder ao membro de outro poder, igualmente constituído e com o mesmo grau de importância. Só para deixar claro, já não caberia tal conduta contra qualquer outro cidadão, independente da posição.
Caluniar, injuriar, agredir, atacar membros e instituições constituídas, por si só, já não são atitudes que se coadunam com o espírito republicano e não contribuem para encontrar a saída do atoleiro que o país se encontra. Quiçá levantar a voz, bradar com dedo em riste e fazer ameaças. Incitar a violência, convocar “seguidores” para fechar o Supremo, expressão máxima da Justiça e guardião de nossa constituição.
Nossa democracia parece estar sofrendo momentaneamente de amnésia. Esqueceu-se das profundezas sombrias do qual emergiu, parece querer navegar sob tempestade em detrimento da calmaria. Tudo de forma intencional. De repente, parece que ser democrático é falar o que pensa, ferir sentimento e denegrir caráter. Tudo isso, sem que sobrevenham quaisquer consequências, sob o pretexto da liberdade de expressão.
Diga-se, essa tal liberdade requer responsabilidade e temperança. Não se pode conspirar contra a democracia sob o fundamento de que possui liberdade democrática para agir e falar o que lhe convém. Isso vai, definitivamente, contra o próprio regime democrático, que possui liberdades, mas também deveres. Leia-se: limites.
Um conjunto de fatores dá sinais que o Brasil não caminha bem. Economia fragilizada, desvios de recursos para o combate à pandemia, lentidão nas ações de vacinação, o jeitinho brasileiro daqueles que furam a fila da vacina, as persistentes caneladas e poderes constantemente em rota de colisão.
Uma das habilidades mais importantes deste século se chama empatia. Penso que precisamos praticá-la um pouco mais e o cenário é extremamente oportuno. Entendo que é preciso se desarmar. As instituições precisam dialogar, propor saídas para o estado de letargia que a nação se encontra. Colocar os chamados “pingos nos is”.
Construir um espaço de entendimento baseado na lucidez e temperança. Ademais, a autonomia suprema não diz respeito a um só poder, mas a todas as instituições essenciais. Ademais, ouso ir além e afirmar que acima de todas elas, inclusive dos poderes, que suprema é a autonomia de um povo, soberano. Está em jogo e é urgente o interesse maior de 220 milhões de brasileiros que não podem, a exemplo de uma novela mexicana, viver um drama a cada novo capítulo.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.