*Por Osmar Gomes dos Santos
É exatamente isso que me veio à mente. A produção cinematográfica de Walter Salles está no topo do mundo. A indicação a melhor filme, no mundo inteiro, enche o Brasil de orgulho e premia, ainda que o resultado ainda não tenha saído, um elenco recheado de talentos sob a direção de um dos melhores cineastas do país.
Sobre o filme, a trama retrata o contexto sociopolítico do fim da década de 1970, um dos momentos mais duros do regime ditatorial que perdurou no Brasil de 1965 a 1985. Os acontecimentos remontam a forma como o governo ilegítimo perseguia adversários que se opunham ao sistema.
Um desses críticos era o deputado Rubens Paiva, personificado na atuação do talento de Selton Mello. Ele vivia com a esposa Eunice e a família na cidade do Rio de Janeiro, até que um dia, Rubens Paiva é levado por militares descaracterizados e desaparece.
O trágico destino de Paiva nos remete aos muitos opositores do regime que até hoje desconhecemos os paradeiros. Vítimas, diga-se, do Estado, aquele que em primeira e última instância deveria cuidar dos seus cidadãos.
A obra digna de Oscar é baseada no livro biográfico de Marcelo Rubens Paiva, filho do deputado personagem do longa. Em folhas que contam a história ele destaca a luta de Eunice na busca pela verdade sobre o marido, que se prolongou por décadas.
Entre ficção e realidade, a dura verdade das famílias – viúvas e viuvos, órfãs e órfãos – que não puderam se reinventar como a Eunice e assim refazer o futuro para ela com os cinco filhos. Reinvenção esta que a tornou uma das maiores ativistas na luta pelos direitos humanos e na busca pela sujeira e segredos varridos para debaixo do tapete.
Traz-nos a reflexão sobre quanto segredo ainda pode existir sob a chancela dos arquivos secretos e ultras secretos ou mesmo nas memórias daqueles que viveram o regime, seja pelo lado do opressor, seja pelo lado do oprimido.
O fato de eu estar aqui, semanalmente, a expressar opiniões como cidadão,algumas delas particulares, sem qualquer necessidade ou vaidade em alcançar a unanimidade, é porque a democracia venceu e seu sabor é doce.
Saindo do plano analítico/político para voltar à produção da película, embora difícil seja dissociar os dois temas, convém lembrar que aindicação de melhor filme, que já a coloca entre os melhores do mundo, veio acompanhada de melhor filme estrangeiro e, claro, melhor atriz com Fernanda Torres, que já levou o Globo de Ouro na mesma categoria.
A trama é envolvente, o pano de fundo traz um tema que liga a realidade em dois momentos distintos, a estética é irretocável alinhada à proposta de um enredo que nos prende na poltrona. Tudo isso com a atuação de um elenco de atrizes e atores maduros e que, podemos dizer, foi perfeito.
As indicações nos enchem de muito orgulho. Mais que isso, mostra ao mundo que em“terras tupiniquins” – como muitos além-mar ainda nos veem –também temos excelentes produções. Isso não é de hoje, mas esse reconhecimento vem para chancelar toda uma trajetória cinematográfica especialmente a partir do chamado “cinema novo”.
Das “ideias na cabeça e uma câmera na mão” de Glauber Rocha, passando pelas obras de Amácio, o Mazzaropi, José Mojica, Anna Muylaert, Hector Babenco, José Padilha, Fernando Meirelles, Adélia Sampaio, Laís Bodanzky e Helena Solberg. Para citar algumas figuras que dirigiram grandes obras de arte da cinematografia nacional.
O desfile no tapete vermelho acontece no dia 2 de março, uma ótima oportunidade de juntar a alegria do carnaval com a comemoração de uma estatueta. Até lá,que tal aproveitar para conhecer e valorizar outros títulos da nossa produção?
Há filmes para todos os gostos, nos mais variados gêneros e o que é melhor:brasileiros que fazem filmes brasileiros. E porquê não dizer:também para estrangeiros? Boa sessão!
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas; ALMA – Academia Literária do Maranhão e AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras.