O astuto leitor certamente já ouvira falar, em oportunidade qualquer, que a vida imita a arte, sendo válido o vice-versa. Sendo a literatura um expoente artístico, com suas várias escolas e estilos próprios, recorro a uma breve fábula para retratar acontecimentos da vida, como ela é, como diria Nelson Rodrigues.
Longe de um romance novelesco, no entanto, minha reflexão reporta fatos da realidade, nas relações sociais estabelecidas, nas disputas por posições, no respeito ao próximo. A Onça e o Jabuti, contada em modos e enredos diferentes por autores de gêneros distintos.
Um fala da inveja da Onça para com a habilidade do Jabuti em tocar uma flauta; na outra, é evidente a astúcia do cascudo em fugir das garras do felino. Em comum, as histórias guardam a lição de que a inveja, a arrogância e a soberba sucumbem diante da destreza de espírito, da paciência e da sabedoria.
Na vida, em todos os âmbitos, nem sempre o poder prevalece. Já dizia os escritos religiosos que a avareza e a soberba é um dos 7 pecados capitais, que por sua vez reproduzem comportamentos que levam à derrocada humana. Assim é na vida, assim é na eleição.
Assim como na fábula, na qual as habilidades musicais do Jabuti foram aprendidas com a própria vida, ouvindo aqui, escutando acolá, o comportamento de humildade a tomar como lição os ensinamentos passados por outros traz sabedoria para caminhar por entre os desafios cotidianos sempre com serenidade e cabeça erguida.
Em uma disputa eleitoral tal mácula é vista a todo instante, mas a soberba, tal como na vida, não tem espaço entre os sentimentos e condutas mais nobres que o ser humano pode externar. A raiva, o ódio, ataques vis e baixos, não têm espaço junto ao eleitor, cada vez mais atento e esclarecido.
A sociedade espera por mudanças, alterações no cenário que só podem acontecer a partir de propostas positivas, alinhadas com os anseios sociais. Tudo aquilo que estiver fora disso tende a cair por terra no primeiro domingo de outubro, embora este ano tal sentimento e conduta tenha ganhado uma sobrevida com o adiamento das eleições em quarenta dias.
Mas em um embate eleitoral duas velhas máximas futebolísticas se aplicam na sua integralidade. A primeira diz que em um jogo são onze contra onze; na mesma linha de raciocínio, outro dito futebolístico afirma que o jogo só termina ao último apito do árbitro. Por mais inocentes que possam parecer as afirmações, elas retratam o óbvio: tudo pode acontecer enquanto o resultado não se concretiza.
Em uma eleição, não importa qual seja o poderia econômico, a posição que ocupa certo candidato ou a máquina que possa ter em mãos. Quem decide é o povo, dentro de uma disputa democrática, em que todos têm o seu espaço de convencimento para buscar apoio para seu projeto político, em outras palavras, conquistar os votos necessários para o sucesso no pleito.
Daí que as máximas de imprevisibilidade se concretizam, indicando que até o fechamento das urnas qualquer resultado é possível. Não há time forte e nem fraco, são onze contra onze, candidato contra candidato; enquanto o apito final não vem, o jogo não está ganho e tudo pode acontecer. Como dizem os sábios , na fórmula um, o importante não é largada, mas a chegada.
Muitos que esbravejavam como a Onça, agora se recolhem em seus mundos, mesquinhos e frios, onde lhe faltam o apoio e admiração “conquistados” com o poder. Faltam-lhe calor humano dos braços e ombros amigos que apenas valores podem realmente conquistar. A vez é do Jabuti. E aqui não há qualquer relação com os quelônios colocados em cima de uma árvore.
O espaço ora alcançado, é fruto da astúcia, humildade e sabedoria, elementos que faltaram a alguns, sobretudo aos felinos.
É hora da onça raivosa atravessar o rio, seguir seu rumo e esturrar em outro quintal, mas existe um problema: no rio tem jacaré de boca aberta esperando a onça pra comê-la- na parábola, o jacaré comeu a onça. Fica o ensinamento de que a raiva cega a razão, deixando o ser incapaz de enxergar a própria realidade, o que pode ser o início de uma grande derrocada.
Na vida guardo uma verdade repassada por meus pais, daquelas que aprendemos para nunca praticar: a arrogância precede a queda. Humildade e mansidão de espírito são valores que devemos cultivar em todas as relações.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.