*Por Osmar Gomes dos Santos
Cresci como fruto da desigualdade. Desde minha tenra idade eu olhava sem entender bem o motivo de pessoas tão parecidas viverem em condições tão distintas na sociedade. Algumas tinham comida na mesa, outras amargavam com a dor da fome por dias; até que pudessem fazer uma refeição.
Estudar e trabalhar com fome, na vida dura da roça, era uma realidade cotidiana para muitos dos meus conterrâneos. Já adolescente, passei a entender melhor a vida, no entanto, ainda me inquietava o fato de ver tanta diferença de oportunidades em uma sociedade que se dizia do futuro, uma pátria para todos. Mas todos quem?
Quando olhava para minhas condições de “palafitado” e do que precisava fazer para colocar um pão na mesa, via que algo não estava certo no discurso oficial. Enquanto alguns apenas estudavam, eu vendi lanche, vigiei carro, bati massa como ajudante de pedreiro.
Pelas vielas da minha infância e adolescência, busquei sem nunca encontrar a tal da igualdade.
Entre eu e uma vida mais digna, havia um abismo da pobreza que teimava em me arrastar para o fundo.
Recentemente atribui-se a Chico Anysio a indagação: “Se é a pobreza que vota na esquerda, qual o interesse que a esquerda tem em acabar com a pobreza? Notadamente não há confirmação de que ele tenha dito isso, tratando-se, muito provavelmente, de uma informação falsa tal atribuição.
No entanto, isso me chamou atenção para algumas outras afirmações feitas por ele, a exemplo de ter deixado de ser de esquerda e virado um “realista”. Ou mesmo do absurdo em constatar que um país tão rico como o Brasil fosse tão pobre.
Sobre a tal riqueza, cuja possibilidade de gerar oportunidades para todos sempre foi real, não se pode entender o paradoxo de haver ainda quase metade da população em condição de pobreza e alguns outros milhões na deplorável condição de miséria.
Esquerda ou direita, fato é que o Estado brasileiro não conseguiu prover em igualdade de oportunidades os seus cidadãos. Esse problema é antigo e quase se confunde com a própria história da Terra Tupiniquim.
Viu fracassar o modelo de capitanias; sucumbir uma monarquia e a negociação de uma independência às avessas. Testemunhou o fim de um regime escravocrata que nunca acabou, a dobradinha do café com leite e o populismo que se seguiu décadas depois.
O milagre econômico que não veio na mesma medida para a população, vindo a declinar na mesma proporção que ascendeu. A desigualdade perpassou por constituições que prometiam com ela acabar, especialmente aquela dita “cidadã”, de 1988.
A pobreza, no entanto, segue consolidada. Protagonista nos discursos de palanques midiáticos, não passa de coadjuvante quando o assunto é tratar do problema com seriedade.
Mera retórica eleitoreira, dirão alguns. A pobreza é complexa e está relacionada com outros fatores, dirão outros. Fato é que ela está aí a acometer grande parcela da sociedade, e, só há um caminho como solução.
Tal como uma doença, que precisa de remédio na dose certa para ser tratada, a pobreza precisa de ações sérias e efetivas para ser debelada. Bom que se diga, o Brasil tem pobreza, entretanto não é pobre e sim desigual.
Mas enquanto nos digladiamos nas redes sociais e nos espaços públicos, ela pede passagem e segue altiva. Ri da mediocridade de uma sociedade que prefere discutir seus políticos de estimação em vez de debater os problemas sérios que precisam ser enfrentados.
O debate precisa de senso crítico, naturalmente. Porém é algo que não falta ao pobre, que acorda cedo, que coloca o pé rachado na terra árida na esperança da chuva. Este sabe o que precisa e como alcançar, falta-lhe os meios.
Urge sairmos desse estado de polarização e de entender que política, na melhor acepção aristotélica, era vista como um meio, jamais um fim, para se alcançar uma sociedade justa e fraterna.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís.Membro das Academias Ludovicense dela Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.