Quem nunca se deparou com a famosa expressão “deveria ter ficado calado”? Pois foi justamente esta expressão que “ouvi” repetidas vezes na última semana, após o pronunciamento, no mínimo questionável, do senhor presidente da República Jair Messias Bolsonaro. Naturalmente as aspas revelam o sentido figurado, posto que não ouvi, em função do isolamento, mas li o aludido termo nas redes sociais e aplicativos de mensagens.
Peço a devida vênia, como se diz no meio jurídico, aos amigos de quem “ouvi”. Creio que o momento não seja para silêncio. É necessário se pronunciar? Sim! presidente, governadores, prefeitos e autoridades de saúde.
A avalanche de críticas recebidas de praticamente todos os setores sociais mostra o tom inapropriado do pronunciamento feito. Como cidadão, analiso o episódio como um misto de narcisismo regado com traços de inconsciência. A primeira característica remete a um ser superior, forte, atleta, invencível. A segunda denota a falta de coerência com o que está sendo defendido pelas autoridades de saúde.
Muito mais do que discursos para agradar alguns setores, o momento exige seguir o norte dado por especialistas. Volto a repetir o que disse em artigo anterior: a situação é grave e necessita de medidas extremas. A fala deve ser acertada, alinhando o tom conciliador e unificando a população em torno do bem maior que é a proteção da vida.
O Coronavírus já deu provas de que está longe de ser “um resfriadinho ou uma gripezinha”. Sim, estudos iniciais apontam para uma grande parcela da população mais resistente ao vírus, mas não se pode subestimar o potencial destrutivo que tem para outra parcela. No fim das contas, mais novo ou mais idoso, ninguém quer pagar para ver. Ou seria “pegar” para ver?
O rastro sombrio aumenta a cada dia e falar de números pela manhã vira algo obsoleto no chegar da tarde. Milhares de mortes na China, mais de uma dezena de milhar na Europa, centenas nos Estados Unidos e previsões de letalidade em uma escala global antes não verificada.
Há muitas incertezas no ar. Uma grande parcela da população receosa em perder o emprego e uma outra que é autônoma ou está na informalidade, que necessitam da renda diária para sobreviver. Por isso é necessário falar sim. Mas para trazer um resumo das ações e anunciar medidas práticas, não apenas sobre a pasta da saúde.
É hora de adotar medidas concretas de ajuda aos estados e municípios, de concessão de crédito, de alongamento de parcelamento de dívida, de redução ou corte de impostos e acordos para proteger o sistema produtivo, empregador e empregado, que neste momento, precisa estar no isolamento. Medidas assistenciais para amenizar a perda daqueles milhões que não possuem a carteira assinada.
Sobre o isolamento, quem detém a palavra é a medicina. Temos aqui entidades médicas e profissionais do mais alto gabarito para orientar a nação no sentido correto, com as medidas para evitar a propagação da doença. Ninguém pode estar acima das prescrições sanitárias estabelecidas, inclusive, pelo próprio Ministério da Saúde.
Espera-se que o pior ainda está por vir, se tomarmos como exemplos outras nações. Por isso, a necessidade, temporariamente, de ações de isolamento para conter a curva de subida da doença e possibilitar ao sistema de saúde as condições aceitáveis para o atendimento aos infectados.
Os esforços são extenuantes, verdade. Mas o sacrifício não pode ser em vão. Alguns setores vão sofrer mais e outros menos, fato. Alguns poderão adotar o home office, outros não; alguns utilizarão serviços de delivery, outros não. Mas o que está em jogo é a vida.
Estamos encerrando a primeira semana de medidas extremas. Entendo que se mantivermos o isolamento horizontal, aquele que alcança a todos, por pelo menos dez dias, poderemos quebrar a curva de subida da doença.
A partir de então, conforme o cenário consolidado, evoluir para o confinamento vertical, aquelas que vão alcançar os grupos de risco, conforme faixa etária e doenças preexistentes. Depois dessa etapa, é pensar na reativação gradativa do setor produtivo até que a normalidade seja alcançada.
Fato é que o econômico não pode se sobrepor ao bem estar social, embora a economia seja peça fundamental na promoção da qualidade de vida. Além disso, há setores que não podem parar: médico, assistência social, combustíveis, alimentos, segurança, transportes de itens essenciais, algumas áreas de tecnologia da informação, coleta de resíduos, postais, dentre outros.
Em uma reportagem me deparo com o depoimento de um caminhoneiro que sintetiza bem a importância desses profissionais para manutenção da vida, a quem rendemos aplausos. “Sabe quando o Titanic estava afundando? Sabe aquela banda que continuava tocando enquanto todos buscavam se salvar? Nós somos essa banda”, disse em tom emocionado.
O momento é inédito, delicado e só vai ser resolvido de forma integrada, sem protagonismos. Por isso, as palavras e as ações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, juntamente com sua equipe técnica, passam a ter mais sensatez e credibilidade que as de seu chefe maior.
Não poderia ser de outra forma. Momento exige deixar as diferenças atrás da porta. Sentar a mesa, sem bandeiras políticas, sem ideologias partidárias, sem paixões. A racionalidade deve prevalecer acima das vaidades pessoais ou de grupos. A nação precisa de ações coordenadas e assertivas daqueles que, neste momento, estão no controle.
A NAÇÃO PRECISA DE SEU COMANDANTE COM EQUILÍBRIO, COERÊNCIA E RESPONSABILIDADE.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras