No sistema democrático em que vivemos, os representantes do povo são escolhidos via sufrágio pelo próprio povo, que avalia propostas, analisa histórico e condutas para decidir o seu voto. É o que se convencionou chamar de festa democrática, na qual vamos às urnas, a cada dois anos, participar das eleições naquele que é reconhecido como um dos sistemas eleitorais mais modernos e seguros do mundo.
Neste domingo (29), com a votação em segundo turno em algumas cidades, encerra-se mais um ciclo deste processo. Daqui a poucos dias, será chegada a hora da dança das cadeiras, sem qualquer intenção pejorativa da expressão. Com ela, quero apenas reafirmar, de forma simples, a máxima popular que é expoente de nossa democracia representativa: a alternância no poder.
Convém mencionar, no entanto, que esta alternância deve se dar com toda responsabilidade e que os órgãos competentes estão atuando para acompanhar cada passo desde o processo de transição. Aos vencidos, data vênia, é hora de passar o bastão àqueles que chegam com o compromisso de assumir o cargo para o qual foram eleitos.
Isso vale para todos os representantes, sejam aqueles do Legislativo ou os que assumirão seus postos no Executivo. Essa passagem deve cumprir ritos e normas legais e deve ser entendida como um processo natural dentro do sistema representativo. Quem coloca seu nome a serviço do povo deve saber disso e compreender a razão pela qual tal fato acontece.
A pessoa pública deve entender que a política tem altos e baixos, com alguns se tornando verdadeiras referências enquanto gestor e representante dos bens e serviços colocados à disposição do cidadão. Outros, porém, caem no ostracismo, em razão de uma atuação que não esteve à altura das expectativas da população que os elegeu.
Alguns se despedem após oito anos de mandato público, valendo-se do benefício da reeleição, outros, não tiveram sua conduta aprovada pelo fiscal da coisa pública, que é o cidadão. Assim, saem após o primeiro mandato, com a certeza de que a reprovação o acompanhará por bom tempo, podendo, inclusive, traçar o caminho do completo esquecimento ou do fim da sua trajetória política.
Há um dito popular sobre a fama e o sucesso que diz que chegar não é tão difícil, mas se manter sim. Por outro lado, no âmbito político, costumo dizer que o mais difícil é chegar. São muitos os desafios que levam um cidadão a tomar uma decisão de se lançar candidato: abdicar de momentos com a família, angariar apoio, sair às ruas, peregrinar na missão de conquistar votos. O ofício exige preparo e dedicação.
Diante de tantos obstáculos para chegar, entendo que gerir seja mais fácil, pois se trabalha com as ferramentas possíveis e necessárias para bem-fazer em prol daqueles por quem foram eleitos. Mas as eleições se foram.
Tal como na quarta feira de cinzas, o momento é de ressaca para alguns e de alegrias para outros. Aos derrotados, o momento exige reflexão. Cabe apenas um questionamento aos reprovados nas urnas: o que faltou para receber a aprovação?
Noutro lado, aos vencedores, o momento exige parcimônia e sabedoria para traçar um bom plano de gestão. Para ambos, deve prevalecer o respeito e a responsabilidade, esta já citada anteriormente, para que o processo de transição seja feito com base nos preceitos legais, morais e cidadãos.
Garantir ao vencedor o acesso às equipes de trabalho, às informações financeiras e contábeis, aos planos de ação que ora se encerram, por exemplo, mais do que obrigação é um dever moral com a coisa pública e com a sociedade que outrora se dispôs a representar.
Especial atenção deve se ter com os cofres e as contas públicas. Sobre o primeiro, é preciso garantir o saldo necessário para dar continuidade ao funcionamento do ente federado, sem prejuízo à manutenção de serviços básicos, em especial a saúde e a educação. No tocante às contas, destaca frisar o não endividamento com contratos que terão que ser honrados.
Responsabilidade é a palavra de ordem neste momento. Isso exige a conduta ética e proba, pois qualquer que seja fora disso estará sujeira aos fiscais da lei, em especial ao Ministério Público com o excelente trabalho que realiza de combate à corrupção.
Por falar em corrupção, a abertura do 14º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado esta semana, nos dias 26 e 27, foi marcada por um forte discurso do presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux. Ele reforçou a importância da atuação das instituições do Sistema de Justiça no combate a práticas espúrias na condução da administração pública.
Aparentemente óbvia e redundante a fala do ministro, pode dizer algum desatento, mas no Brasil, embora todos os episódios de nossa história, falar do cumprimento das normas e do respeito ao erário, algo tão elementar, ainda se faz imperioso. Extirpar práticas antidemocráticas é um compromisso, um fardo, que deve ser carregado pelo gestor daquilo que é público.
É dentro desse cenário que ganha contornos robustos a ideia central deste ensaio, pois o cargo público não pode ser visto como algo próprio, pessoal, do qual se apropriam alguns em proveito próprio. Tampouco se configura algo vitalício, sendo a alternância algo salutar à nossa democracia.
Na dança das cadeiras do jogo democrático passar pela aprovação popular e galgar um posto eletivo é uma prova de fogo, conquistar uma reeleição é para um grupo ainda mais seleto de representantes. No entanto, passar o bastão em obediência à letra da lei, é um dever imposto a todos. Ao gestor que vai sair não é mais momento de contrair dívidas nem inventar contratos, é hora de organizar e casa e entregá-la limpa para quem vai assumir dia 1 de janeiro de 2021.
Osmar Gomes dos Santos, Juiz de Direito da Comarca da Iha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas e Matinhense de Ciências, Artes e Letras.